domingo, 31 de maio de 2009

O automóvel, o mercado, as crises e as Europeias

II – A crise no mercado do automóvel

Um dos sectores mais afectados pela crise é o do ‘automóvel’, com forte impacto nas actividades que à sua volta gravitam e dele dependem (têxtil, plástico, componentes mecânicas e eléctricas, etc.). Contudo e ao contrário dos outros dois sectores mais ‘castigados’ – o financeiro e a construção – sem que para ela haja contribuído! Enquanto estes são responsáveis, por efeito dos movimentos especulativos que neles se acoitam, por desencadearem todo o processo que descambou na crise, já no ‘automóvel’ não é possível estabelecer nenhuma relação directa com as principais causas que a originaram.

É certo que se vinha falando também já da sua responsabilidade como principal meio na produção dos fatídicos gases com efeito de estufa, com implicações nas alterações climáticas e ameaça ao equilíbrio ambiental – de consequências gravíssimas para todo o planeta. Mas não foi aqui que a actual crise global teve a sua origem.

A do ‘automóvel’ dá-se, pois, em consequência desta crise global, com o forte abalo que ela provoca na confiança dos consumidores. Mas para além da ‘normal’ retracção do consumo por naturais motivos de precaução, a profunda quebra das vendas de automóveis ao longo dos últimos seis meses (que nalguns casos chega a ser superior a 40%!), não obstante o recurso a grandes campanhas comerciais de descontos, tem outras causas que merecem ser identificadas, pois tão drástica e rápida mudança no comportamento dos consumidores exige uma explicação mais plausível. Os consumidores alteraram os seus hábitos de vida ou deixaram de andar de automóvel (por substituição de meio de transporte, por exemplo)? Passaram a não confiar em marcas quase centenárias, com capital de confiança acumulado ao longo de muitas décadas de implantação mundial?

A explicação mais razoável, a meu ver, encontra-se na racional conjugação do efeito ‘precaução’ (adiamento das decisões de investimento) com a incerteza (e consequente reflexo nas expectativas individuais) provocada pelas alterações tecnológicas no próprio automóvel. A crise energética desencadeou um conjunto de efeitos na sociedade, afectando também – ou talvez sobretudo, veremos – e de forma irreversível, a concepção do produto ‘automóvel’. Ninguém se mostrará muito interessado em adquirir um automóvel tecnicamente ultrapassado!

Na verdade, até há poucos meses tudo parecia estar bem na indústria automóvel, eventualmente ocupada em competir com a restante concorrência na base de novas estéticas, em incorporar novas tecnologias electrónicas, reduzir custos de produção (automação vs. emprego), conquistar novos mercados, nomeadamente os denominados ‘emergentes’. É certo que pairava já em certos construtores alguma preocupação pela redução dos consumos, por um maior controle das emissões de CO2 devido ao efeito de estufa e à sua influência nas cada vez mais evidentes alterações climáticas. Mas, no essencial, tudo se resumia em como extrair, do tradicional ‘motor de combustão’, as melhorias que permitissem responder a esses níveis de preocupação, entretanto vertidos em normas restritivas e prazos políticos a cumprir.

De repente, porém, o mundo pareceu acordar para uma realidade ‘escondida’, a de que a energia que, até agora, tem sustentado a nossa actual comodidade, caminhava rapidamente para o seu natural esgotamento. Os preços dispararam (‘ajudados’ por um sempre atento movimento especulativo), o pânico não chegou a instalar-se mas começou a ganhar corpo a ideia de que era urgente, que se tornava inevitável mudar. Foi então que um vasto impulso abalou o sector, originando novos condicionalismos técnico-políticos mais restritivos, forçando a inovação tecnológica e a produção de alternativas ao ‘velho’ motor de combustão (dos híbridos ao motor eléctrico ou electromagnético, avançando mesmo até ao hidrogénio, ao solar,...).

Mas ao contrário dos outros dois sectores, financeiro e construção (que começam a dar sinais de alguma estabilização e mesmo alguns, ainda ténues, indícios de retoma), a saída da crise no ‘automóvel’ afigura-se bem mais demorada e radical nas soluções a adoptar (profunda reconversão da indústria, com gradual adaptação a um novo paradigma energético) e dramática nas suas consequências (falência de empresas – a da gigante GM está anunciada para o início de Junho – destruição de empregos,...).
(...)

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