sexta-feira, 29 de maio de 2009

O automóvel, o mercado, as crises e as Europeias

I – As crises

Aparentemente, o título deste comentário (ou desta série de comentários), parece uma salgalhada sem nexo, pois afirmar que, afinal, ‘tudo se relaciona com tudo’, diz pouco, para não dizer nada, da razão porque se decidiu associar aqueles temas e não outros. E, contudo, mesmo sem uma explicação definida, não se torna muito rebuscado encontrar boas razões para um tratamento conjunto destes temas, pois algo parece ligá-los numa mesma preocupação comum. Dito isto, comecemos então pelo mais óbvio, por aquilo que, actualmente, mais agita e preocupa as pessoas, ‘a crise’ – ou melhor, as crises.

Sempre que se ouve ou lê qualquer um dos denominados (ou iluminados?) ‘economistas de referência’ – comentadores encartados a derramar prosápia, quase fulminando os comuns dos mortais com o anátema de ignorantes, de seres não iniciados nos segredos de que só eles são detentores – a falar sobre a crise, tanto o diagnóstico quanto as terapias giram à volta dos mesmos conceitos, tudo se resume em saber o lugar que cada um ocupa nesta espécie de ‘ordem natural das coisas’ que, aparentemente, rege o mundo de forma inexorável e sem remissão possível. As preocupações, raciocínios e outras considerações centram-se na forma de fazer funcionar o mercado, de pôr a economia a crescer, de reduzir o déficit,... ainda que pressurosos em tentar remediar as situações mais desesperadas (não vá a pressão social explodir).

Até há poucos meses atrás, o mundo ocidental evoluía então, aparentemente, dentro desta sua habitual normalidade, davam-se como adquiridos e naturais um conjunto de proposições que a ninguém passava pela cabeça questionar: crescimento económico ilimitado, custos da energia controlados (não obstante alguns sobressaltos esporádicos), inflação relativamente reduzida (‘mérito’ das receitas monetaristas imperantes),... Aqui ou ali pequenos distúrbios ou mesmo convulsões sociais, nada porém com dimensão para abalar as convicções mais profundas numa contínua melhoria de vida (pelo menos a que costuma ser vertida nas estatísticas divulgadas).

Mas, de repente, toda esta aparente normalidade (ou imutabilidade?) das nossas referências foi posta em causa pelas sucessivas crises:
- primeiro, pela da energia barata, todos parecendo acordar para a realidade há muito conhecida de uma anunciada escassez, mas que todos fingiam ser de uma indefinida perenidade. Com ela pareceu abalada a principal referência (ou instituição?) que sustenta o nosso modo de vida: o automóvel.
- depois, com a financeira, com algumas das instituições bancárias tidas como das mais sólidas e íntegras do mundo a soçobrarem num ápice: o dinheiro parecia volatilizar-se em instantes e, com ele, a seriedade e honestidade de alguns dos mais conceituados e influentes gestores, sorvidos na voracidade de uma desregulação que haviam criado e imposto, ameaçando, inclusive, alguns países de descambarem na bancarrota: o mundo nunca presenciara uma derrocada assim!
- por último, a global (económica, política, social, ambiental,...), quando a espiral da crise se propagou e começou a alastrar a todos os sectores, descobrindo ou acentuando fissuras até então contidas ou meramente escondidas, pondo em risco precários equilíbrios até então tidos como imutáveis, tornando consciente ou trazendo ao de cima problemas inimagináveis.

Mérito da crise (não obstante o séquito de desgraças, é possível descortinar nela também aspectos positivos), muita gente começa finalmente a questionar as razões desta aparente normalidade. A partir de aspectos ou elementos tão rotineiros e entranhados nos hábitos – tão naturais, pois – como os automóveis. Se até o automóvel é posto em causa, se até o meio por excelência da enorme mobilidade que caracteriza e distingue as sociedades modernas corre riscos, então isso pode significar um enorme retrocesso na qualidade de vida, é todo um modo de existência posto em causa.
(...)

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