quarta-feira, 27 de maio de 2009

A caça ao homem!

O espectáculo que ontem, 26 de Maio, durante cerca de 8 horas, Oliveira e Costa, ‘ofereceu’ ao país, não veio baralhar as contas da complexa urdidura montada no BPN (de que foi principal responsável e impulsionador), porque elas já estavam baralhadas antes. Mas teve pelo menos o mérito de relembrar o facto comezinho, que parecia estar a desvanecer-se, de que, afinal, ele não foi o único responsável – logo culpado – por todas as malfeitorias a que aquele Banco foi sujeito.

As dúvidas saltitam de personagem em personagem, do agora ex-conselheiro de Estado, Dias Loureiro (que jura a pés juntos absoluta integridade ética em todo o processo), ao denominado ‘bando dos quatro’ (!), depressa convertido em ‘dez’ (ou doze?). Do accionista de referência Joaquim Coimbra, íntimo da direcção do PSD (desta e de todas as anteriores) e do próprio PR, aos inúmeros quadros superiores do Banco, citados como intervenientes em acções de pormenores rocambolescos.

E o Banco de Portugal, onde fica em toda esta trama (ou tramóia)? Será agora que os seus encarniçados críticos terão numa bandeja a desejada cabeça do Governador Vítor Constâncio? Ou a do ministro da tutela, Teixeira dos Santos? Ou mesmo a do 1º Ministro, Sócrates? Ou a dos seus antecessores, uma vez que tudo isto se desenrolou ao longo de muitos anos, numa série interminável de actores, agentes (nacionais e internacionais), profissionais competentes ou ‘pára-quedistas’, amigos e apadrinhados, sobretudo gente habilidosa e versada nos meandros financeiros, disposta a tudo para poderem beneficiar dos milhões que são agora tão despudoradamente exibidos e que, parece, se evaporaram na voragem da crise que tudo explica.

E, contudo, entretidos que andamos neste agitado e pouco edificante enredo, sobra-nos a frustração causada pela certeza de que tudo afinal pode voltar a acontecer, de que nada de essencial foi alterado, o ‘bezerro de ouro’ continua intacto, o mercado mantém inviolável todas as suas prerrogativas – incluindo essa dos famigerados ‘off-shores’! Responsabilizar os intervenientes no processo de acordo com o papel por cada um desempenhado é tarefa essencial que reveste, para além da eventual imputação de culpas, carácter pedagógico importante. Mas centrar o discurso apenas na incriminação de pessoas, por mais determinantes que elas pareçam ter sido no processo, pode transformar-se em exercício perverso, se acabar por desviar as atenções do essencial.

E o aviso vem, mais uma vez de quem domina o sistema por dentro, que sabe do que fala. Retenho o desabafo de Oliveira e Costa – se alguém fala com conhecimento de causa é ele – quando afirma que, se o Banco de Portugal aplicasse aos outros Bancos os procedimentos utilizados no ‘seu’ BPN, o sistema bancário nacional entraria em colapso, nenhum Banco escaparia à derrocada!

O importante aqui não é tanto saber se os procedimentos da supervisão eram ou não os mais indicados, mas a confissão de que todos os Bancos actuavam dentro dos mesmos parâmetros e recorriam aos mesmos expedientes. O importante é concluir que, afinal, do que aqui se trata é de um comportamento padrão adoptado pela generalidade da Banca, nacional e internacional. O próprio BCP, que viu actuações deste tipo serem denunciadas na sequência da ‘zanga de comadres’ pela disputa do respectivo controle gestionário, beneficiou de isto ter acontecido antes da crise rebentar, permitindo uma solução a tempo de evitar males maiores. E o BES, já em 2006,...

Hoje esta conclusão começa a mostrar-se clara, mas ninguém parece interessado em daí extrair as devidas ilações. Porque isso seria admitir que o sistema, no seu conjunto (e não apenas algumas ‘maçãs podres’), falhou – e as consequências seriam bem mais drásticas do que a mera ‘caça ao homem’ em que se transformou a investigação em torno do que afirmam ser apenas um simples (apesar de toda a sua aparente complexidade, isso também serve à tese que o afirma) caso de corrupção.

Já por várias vezes aqui falei deste enviesamento dos factos, com o desvio das atenções do essencial em jogo – e o essencial é mesmo a natureza política das opções que determinam estes comportamentos! – para os aspectos meramente pessoais. Que, repito, apesar de importantes, não podem – não devem – sobrepor-se à questão política. A começar pela firme denúncia dos ‘off-shores’ – como tem feito, e bem, o BE.

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