quinta-feira, 30 de abril de 2009

A crise, a regulação e a desregula(menta)ção

De forma recorrente, a pretexto de uma qualquer intervenção de qualquer uma das inúmeras entidades reguladoras criadas para ‘vigiar’ o mercado – e torná-lo aceitável aos olhos da opinião pública – questiona-se a decisão tomada, sem por uma vez se pôr em causa o papel desempenhado por estes órgãos no sistema. A ninguém ocorre admitir (ou, ao menos, interrogar-se) que, afinal, o problema pode estar aqui – na regulação propriamente dita – e não além – nas decisões que deles emanam.

Ou pelo menos considerar que, se as decisões são contestáveis por se considerarem inócuas ou mesmo prejudiciais (como as que contribuíram para a presente crise), importa distinguir, pelo menos, três níveis de responsabilidade: as pessoais (por negligência, incompetência, fraude ou, tão só, falta de meios); as institucionais (das estruturas estabelecidas, incluindo o enquadramento normativo); e a sistémica (a que resulta do tipo de organização social instituído e do comando a que se encontra submetido, no caso e como é sabido, o mercado).

Quanto às pessoais, a mais debatida, encontram-se buracos a torto e a direito, a actividade dos reguladores é passada a pente fino na expectativa de se encontrar fundamento para a tese de que tudo isto não passou de uma caterva de asneiras, resultante da incompetência (ou negligência, ou comportamento fraudulento, ou...) pessoal dos designados.
Percebe-se a razão que leva a direita a insistir nas responsabilidades pessoais dos reguladores para explicarem a origem da crise, assim se ilibando o sistema. Mas apetece perguntar: e se os reguladores tivessem funcionado na perfeição, ter-se-ia evitado a crise? E, na sequência, estaríamos então perante um capitalismo sem mácula, um sistema perfeito?
Já as razões para alguma esquerda se atirar aos reguladores, como se eles fossem os principais responsáveis pelo estado a que isto chegou, são de mais difícil percepção: apostar na eficácia da regulação para se ultrapassar e recuperar da crise, é acreditar na ‘regeneração’ do capitalismo ou mesmo na sua ‘purificação’ – transformação num sistema perfeito? Ora, já o afirmei antes, a ‘regulação’ e os ‘reguladores’ têm sobretudo a função de tornarem o mercado ‘civilizado’, de não permitirem determinados excessos que, deixados a si próprios, sem regras e sem controle (como o defende o liberalismo mais extremo), acabariam por o tornar odioso aos olhos da maioria das pessoas, tornando-se até contraproducente à sua própria existência. A menos que se pretenda aproveitar o mecanismo dos reguladores para se demonstrar que o mercado, com regulação ou sem ela, não muda a sua natureza, antes afirmando-se o centro de um sistema explorador dos mais fracos, beneficiando os mais fortes!

Sobre a responsabilidade institucional, é bom recordar, a propósito da área financeira (a mais debatida, por razões óbvias), que a crise surge após (e não obstante) a introdução em 2007 de ajustamentos na gestão do risco, por força dos critérios impostos pelo novo Acordo de Capital Basileia II, bastante mais rigorosos que os de Basileia I, em especial, precisamente, ao nível da supervisão e regulação bancária, um dos pilares em que tal acordo assenta, mais desenvolvida que no anterior Basileia I e dispondo de nova regulamentação. Dir-se-á que não houve tempo para detectar – e corrigir – situações anómalas na origem da crise. E se houvesse, teria feito alguma diferença? Com o excesso de confiança instalado no ‘crescimento ilimitado’, que regulador se atreveria a levantar suspeitas – para além de tímidos avisos de vozes isoladas (que as houve, é verdade) – mas – lá está – quem, em tal clima, estava desperto para as ouvir?

Ora, este é, na realidade, um dos principais aspectos a considerar e finalmente começa a perceber-se, pelas piores vias, que a organização social que nos domina se encontra demasiado dependente de factores irracionais e incontroláveis, como a simples ‘confiança no mercado’. Estaremos porventura ainda na pré-história do conhecimento e portanto incapazes de prever e controlar o nosso futuro colectivo. Para uns – os adeptos do mercado – nunca de lá sairemos. Para outros – os que consideram que pode haver outras formas de organização para além da imensa desordem em que o mercado transformou as sociedades actuais – é forçoso encontrar alternativas.

Por fim – e sobretudo! – o que pode afinal a regulação contra a desregula(menta)ção – com expressão máxima nos off-shores – apresentada como modelo de eficiência a atingir? A cambalhota não podia ser maior – nem mais caricata! A maioria dos que, em exaltação excessiva, agora rasga as vestes perante os famigerados erros da regulação, foi a mesma que, durante longos anos, entoou loas às excelsas virtudes da desregulação!!! Decerto não são (não foram) os reguladores a causa da crise. Quando muito, eles são uma pequena peça desta gigantesca engrenagem que, agora, todos consideram dever ser concertada. A forma, essa, depende da perspectiva de cada um. Mas a avaliar pelos medíocres resultados das acções empreendidas até ao momento, cada vez mais parece exigir-se uma intervenção de fundo, capaz de desmontar toda a engrenagem, proceder ao aproveitamento possível de algumas peças e implantar uma organização social assente em bases novas.

Por mais utópico que se apresente, ainda assim esta parece ser, perante o caos instalado, a forma mais sensata de viabilizar o futuro. Vai levar tempo? Vai levar muito tempo, certamente. Mas pode ser decisivo (ou pelo menos não é indiferente) partir de diagnósticos reais e não de efabulações, mais ou menos dissimuladas, sobre a realidade social.

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