segunda-feira, 2 de março de 2009

Impressões de uma viagem ao coração do ‘império’: lá como cá... (IV)

A realidade por trás dos arranha-céus

O que mais impressiona em Manattan a quem, como eu, a visita pela primeira vez, é sem dúvida aquilo que torna este imenso ‘bairro’ de Nova Iorque mais conhecido no mundo, os enormes, esguios e ainda assim muito belos edifícios que, como um imenso ‘puzzle’, constituem a sua arrojada, diversificada mas harmoniosa arquitectura urbana. Adivinha-se, por trás desta fachada estética, no interior destas colossais estruturas de aço, cimento e vidro, mais que em qualquer outro sítio do planeta, toda a diversidade e intensidade da vida que caracteriza as sociedades modernas. E não consigo evitar o desconforto de uma visão quase apocalíptica ao imaginar a possibilidade de, por qualquer motivo ou acidente, se vir a pôr em causa a base social que organiza toda esta agitação, de, por momentos, tudo isto entrar em colapso.

A extrema complexidade da vida nas actuais sociedades capitalistas, os diversificados interesses em confronto (acima de todos, naturalmente os de natureza económica mas também os de índole cultural, religiosa, social ou mesmo ideológica), o atávico receio de enfrentar a mudança pela percepção de perda que se lhe associa, tudo aponta para que a exigida alteração do actual paradigma social, baseado no mercantilismo e consumismo, surja praticamente impossível de alcançar num horizonte curto.

E, no entanto, se nada parece mais distante que essa perspectiva, nada se afigura também mais urgente, a menos que se pretendam ignorar os múltiplos e crescentes avisos, naturais e sociais, e atirar para as gerações futuras o odioso das soluções inadiáveis, porque difíceis, custosas e insuportáveis ao confortável modo de vida actual da minoria privilegiada que a ela tem acesso (menos de 20% da população mundial, que a tanto se resume o peso demográfico dos países ditos desenvolvidos!).

Enquanto me debato com estes dilemas aparentemente insolúveis fico a saber que, no outro extremo do planeta e depois de quase duas décadas em crise permanente, o Japão regista os piores indicadores económicos depois da Guerra (queda do produto, em 2008, ronda os 13%!) evidenciando a debilidade do modelo económico que fez outrora a sua grandeza, assente nas exportações. Outros países, com idêntico modelo, parecem igualmente ameaçados, como é o caso das emergentes economias do leste europeu, antes planificadas e de repente convertidas às maravilhas de um ultra-liberalismo serôdio e em decomposição.
Neste contexto não surpreende o surgimento, na América como no resto do mundo, de uma nova ameaça que paira sobre os pressupostos de eficácia de que se reclama o capitalismo, agora sob a forma de um novo proteccionismo económico (e contra todas as declarações de intenções): a par das medidas de política que, de forma mais ou menos velada, vão no mesmo sentido, nos autocarros lê-se, amiúde, “save our jobs, buy american”, nas televisões apela-se ao “repower american”!

Lá como cá, cresce a convicção de que, afinal, ‘comprar nacional é que é bom’! Mas quais os efeitos – agora, em momento de crise global – de um movimento proteccionista generalizado, nas já muito debilitadas economias? E que, como é lógico, favorece os mais ricos, a começar logo pelos apoios concedidos ‘por conta’ da crise, normalmente destinados ‘apenas’ às empresas nacionais? Afinal não é o individualismo mais feroz o gene mobilizador do próprio capitalismo? Como pensar, então, em ‘reconversão’ deste sistema em tempo de crise?

Com toda a probabilidade, pois, a ‘regeneração’ do capitalismo toma vantagem (para já) sobre a urgente ‘reconversão’ do sistema!

Torna-se impossível prever o que poderá vir a resultar do efeito acumulado das tendências enunciadas – reorganização do trabalho, reconversão energética, maior controle público do sistema financeiro – ou sequer qual o sentido preciso que elas irão tomar no futuro. Até porque não se sabe que novas surpresas nos reservam os desenvolvimentos da crise, em todo o mundo, ou mesmo que influência as medidas agora tomadas terão sobre o rumo dos acontecimentos. A única certeza, por enquanto, é a de que esta se irá aprofundar nos próximos meses, na área financeira, como agora sobretudo na economia real – seguramente muito para além do que é já conhecido!

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Oportuníssima viagem, esta, ao império com a felicidade - da nossa parte - de poder colher as respectivas impressões...
Temos, depois, de fazer um Dossier em local de destaque sendo que, ainda e agora, não sei como se faz
O Zé, depois dará um jeito ...
E, no entretanto, cá ficamos à espera dos próximos capítulos ...
CBS