domingo, 12 de outubro de 2008

O controle ideológico da crise

Por estes dias, o tema que mais atenções – e preocupações – suscita é, de longe a ‘crise internacional’ e as formas de a ultrapassar. Como seria de esperar, a comunicação social concede-lhe largo destaque, obviamente mais concentrada nas audiências do que em contribuir para a sua resolução. Tardam a aparecer alternativas reais à situação actual.

Depois de uma longa gestação, de vários ameaços e não sei quantos avisos, a crise explodiu e parece ter apanhado meio mundo de surpresa (o outro meio, talvez mais, nem se apercebeu de qualquer mudança, pois o seu estado 'natural' é a crise permanente). Passado um primeiro momento de quase aturdimento e de manifesta desorientação, a nível dos responsáveis políticos e dos analistas mais encartados, surpreendidos (e até assustados) com a dimensão atingida, adoptadas as medidas de emergência tidas como indispensáveis – com a proscrita intervenção dos Estados a ser considerada bem vinda – entrou-se na fase das análises pretensamente mais ponderadas, mais informadas, mais técnicas, a pensar porventura já no mais longo prazo.

Não admira, pois, que a toda hora a crise seja tema de debate na generalidade da comunicação social. Mas por mais incrível que pareça, os ‘especialistas’ convidados para estas análises são exactamente os mesmos que no passado apareciam a fazer a apologia do modelo que agora entrou em crise (limito-me aqui a constatar uma evidência factual, sem qualquer juízo de valor, a de que o modelo de mercado está em crise, sem me atrever sequer a afirmar se a crise é passageira ou profunda – embora sobre isso já haja poucas dúvidas – ou se entendo as medidas em discussão para a conter ajustadas ou fora de propósito).

Assistimos então à sistemática repetição dos mesmos comentários, à análise das causas apenas à superfície e a propostas de solução de igual jaez, com a ritual declaração prévia – não vá alguém supor tratar-se de herege na clandestinidade ou, pior ainda, rotundo analfabeto em economia – de profunda convicção e absoluta fidelidade ao mercado (normalmente arvorado no par ‘elegante’ da democracia) e sempre às mesmas conclusões: o que falhou foi a regulação, logo introduza-se mais regulação com melhor controle!

Mas então nestas circunstâncias e apenas de um ponto de vista meramente racional, de simples eficácia nos resultados, não seria mais avisado proporcionar o confronto de verdadeiras alternativas e, para isso, convidar pessoas com concepções e pontos de vista diferentes, porventura antagónicos, por forma a permitir-se alargar o leque das eventuais soluções e saídas para a crise? Não seria até mais inteligente adoptar as regras do método científico na procura da maior objectividade e, depois do que aconteceu, pôr tudo em causa e partir à descoberta da verdade – o que implica alargar o leque das possibilidades até onde for preciso?

Até agora, porém, não vi em nenhum dos debates uma única posição discordante da linha dominante que define o mercado como o par ideal da democracia. Será mesmo?

Respira-se um ar bafiento e maçador nestes debates repetitivos, previsíveis e viciados à partida. Nada de novo acrescentam, servem apenas para justificar posições passadas, prolongar vantagens adquiridas, adiar mudanças inevitáveis. Faz-se sentir sobre os intervenientes, independentemente das boas intenções de alguns, o peso asfixiante da ideologia que em determinado momento chegou mesmo a proclamar o ‘fim da História’, entretanto já desmentido pelo seu próprio autor, o que traz à memória o célebre dito de Mark Twain aos que o davam como morto: ‘as notícias da minha morte são manifestamente exageradas’!

O debate sobre as alternativas reais à desgovernação que nos conduziu à presente situação tarda, pois, a ter lugar, pelo menos a nível público e aberto. Mais uma vez irá ser a realidade a reclamá-lo. E, pelos vistos, não há-de faltar muito. As soluções de dentro do sistema não passam de paliativos e estão em vias de esgotar as suas possibilidades, até agora, como era de prever, sem mostras de grandes melhoras.

4 comentários:

José M. Sousa disse...

Há uma necessidade urgente que outras vozes, mais sérias, mais competentes, mais honestas, que reflictam o interesse público, se façam ouvir nos meios de comunicação social. Os decadentes Marcelo Rebelo de Sousa, Teresa de Sousa (Jornal Público)só contribuem para que a crise piore. Aquele - no programa dominical da RTP - acusa Louçã de irresponsabilidade - de fomentar uma corrida aos bancos - pela sua apresentaçãosobre a crise financeira. Sobre os verdadeiros responsáveis, quase nada. O melhor mesmo é não se reflectir sobre o assunto. Aparentemente Peres Metelo(TVI) também achará que não é oportuno quando a casa está a arder.
Teresa de Sousa garante que se trata apenas de uma "crise de confiança". É caso para dizer "Deus nos acuda" perante esta gente!

José M. Sousa disse...

Outro exemplo do que dizia: Sarsfield Cabral no Público. Infelizmente, sem querer ser imodesto, ele não lê o meu blog -"posta" de Agosto de 2005. Mas, pelo menos tinha a obrigação de ler o "The Economist" ou de conhecer isto, por exemplo.

José M. Sousa disse...

"Uma crise financeira como a actual era impensável há poucos anos"

Sarsfield Cabral, no Público.

O artigo não está disponível online.
Era a isto que me referia.

Anónimo disse...

É a própria opinião pública que começa a mostrar-se saturada com estes vendedores de banha da cobra, descredibilizados por insistirem sempre nas receitas do costume e faz-se sentir até já naqueles programas em que os ouvintes participam, com alguns a afirmarem que não existe verdadeiro contraditório nos debates que têm sido promovidos para discutir a crise (que seria o momento oportuno e ideal para se discutir tudo de forma aberta, com propostas alternativas às ‘tradicionais’).
Depois das escandalosas medidas de protecção à Banca, o debate de hoje no ‘Prós e Contras’, com os banqueiros, promete ser apenas mais uma sessão de propaganda, apadrinhado pela inigualável D. Fátima. Não sei é se conseguirei acompanhá-lo ...
Mas será também muito interessante acompanhar as medidas seguintes de controle do sistema financeiro que os poderes públicos se propõem accionar para não terem de se confrontar, a breve prazo, com susto igual...