segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Enfrentar a crise: paliativos e alternativas

Nunca como hoje, por efeitos de uma crise que muitos teimam em classificar apenas de financeira, se falou tanto em milhões. Milhões, mil milhões, biliões... Aturdido com tantos cifrões e não fazendo eles parte do seu quotidiano nem das suas preocupações imediatas, o povo desliga e espera, como sempre, que os poderosos, os especialistas ou até o Estado protector resolvam lá esse ‘problema’ para tudo voltar ao que era dantes. É claro que esta demissão colectiva de intervir num assunto que a todos afecta é, em boa medida, a razão da perpetuação dos poderosos, dos especialistas ou do Estado (que afinal os representa) na condução do nosso destino colectivo. As razões para que tal aconteça são múltiplas, mas não é disso que me proponho hoje aqui tratar.

É que a estratégia da esquerda (PC e BE, em especial) no modo como tem abordado as medidas de combate à crise, adoptadas e anunciadas quase em simultâneo pela generalidade dos Estados, não me parece estar a ser a mais adequada. Tanto a nível da eficácia de resultados nos propósitos imediatos, como em termos dos objectivos a longo prazo. Em boa verdade ela tem-se limitado – em conformidade, aliás, com o que tem sido a sua prática de oposição à política de direita do PS – a denunciar aquilo que considera ser um apoio escandaloso para salvar os bancos. Independentemente das boas razões ou mesmo alternativas que, em abono desta denúncia, por norma são avançadas (e têm-no sido habitualmente), a verdade é que esta posição pouco mais que crítica da decisão tomada, nada de significativo acrescenta para uma resolução duradoura do problema.

Por um lado, a contestação a este tipo de medidas não tem condições para se tornar eficaz e pode até demonstrar-se contraproducente: na eminência do sistema bancário soçobrar e com ele desaparecerem as poupanças de milhares de pequenos depositantes, a adopção destas medidas surge inevitável. É bom aqui recordar que a natureza da actividade bancária – ou ‘negócio bancário’ – é diferente de todas as outras, que lhe advém de uma dupla responsabilidade social: a de, por um lado, funcionar essencialmente com o dinheiro dos outros, o de milhares de poupanças dos depósitos de clientes que nada têm a ver (enquanto tal) com o risco do capital dos accionistas; por outro, a função de apoio financeiro ao conjunto da economia, indispensável ao funcionamento normal da sociedade no seu todo. Isto significa que um eventual colapso do sistema bancário (ou a falência de qualquer banco) não prejudica apenas os respectivos banqueiros (incluindo os milhares de pequenos accionistas), mas envolve igualmente os que neles confiaram, entregando-lhes, supostamente para maior segurança e melhor gestão, os depósitos das suas poupanças, bem como a capacidade de reproduzirem riqueza através do apoio às actividades produtivas.

E é exactamente por isso, pelo carácter eminentemente social desta actividade e dos riscos (mais que comprovados pela realidade) de a sua gestão privada tender para se desviar dos propósitos que a devem nortear (com graves ou mesmo irreparáveis danos, directamente para os seus depositantes, indirectamente para toda a sociedade), que mais se justificará agora exigir que o Estado assuma o controle público de todo o sistema financeiro (não só a nível interno, como, de forma coordenada, a nível internacional). Aliás, o maior risco que a esquerda corre ao não avançar mais declaradamente para uma exigência política que, longe de quaisquer traumas ou complexos históricos, corresponde a uma necessidade social e faz parte da sua herança cultural, é vir a ser ultrapassada pela própria realidade.
Sintomático o agitado afã de Sarkozy neste domínio específico!

Hoje, depois da hecatombe que não pára de agravar-se todos os dias, já ninguém duvida que alguma coisa vai ter de mudar, em especial na área financeira. O que ainda não é claro é qual a dimensão e sobretudo a natureza dessa mudança. E se, até agora, o sistema se tem resumido a injectar cada vez mais milhões (?) sobre os inúmeros e crescentes buracos da crise – na expectativa de que, mudando alguma coisa, o essencial fique na mesma – à esquerda compete, a meu ver, contribuir para tornar claras as verdadeiras opções que neste momento se colocam às sociedades – em termos de alternativas ao sistema capitalista que as tem (des)governado!

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