sexta-feira, 31 de outubro de 2008

"O Espectro de Wall Street"

"O Espectro de Wall Street - O crash financeiro e a crise de sobreprodução" é o título da conferência proferida por Francisco Louçã, que também pode ser ouvida aqui. O objectivo desta sessão era apresentar de uma forma simples uma interpretação dos principais factores da crise financeira. Agora, o Bloco editou uma brochura que transcreve a apresentação de Louçã. Leia-a aqui em pdf.
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( Via : www.esquerda.net )

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Paraísos Fiscais



A propósito de debate havido noutro fórum e também na decorrência da crise que se vive, julgo oportuna esta citação:

«A ruptura deu-se com a grande vaga de desregulação financeira que, em cinco anos, entre 1979 e 1984, rebentou todas as barreiras nacionais à circulação de capitais. Enquanto os princípios de transparência e de globalização dos mercados eram protegidos, enquanto a informação financeira explodia em volume e em tecnicidade, o princípio da soberania e da opacidade era deliberadamente reforçado nos paraísos fiscais, ao contrário da ordem do mundo. Na Antígua, por exemplo, os poderes públicos jamais procederam a qualquer recenseamento preciso do número de empresas inscritas no registo do comércio.
Não se trata de um fenómeno natural, independente da nossa vontade. Na sua quase totalidade, estes territórios são antigas feitorias das colónias britânicas, francesas, espanholas, ou holandesas. Desenvolveram-se no nosso seio. São apenas sucursais de Londres, Nova Iorque, Tóquio, Frankfurt ou Paris, onde está o coração da finança. O jogo duplo não é inocente. Como se fosse necessária uma certa opacidade para garantir margens que a transparência devora.
Há alguns anos, o procurador do Condado de Nova Iorque, Robert Morgenthau, denunciou essa hipocrisia a propósito das ilhas Caimão, um dos dez primeiros centros financeiros do planeta. "A opacidade é a palavra mestra. Em matéria de regulamentação, a praça ganha o prémio do laxismo. No entanto, as ilhas Caimão pertencem à Coroa Britânica. O seu governador, tal como o seu ministro da Justiça, são nomeados por Londres. O Reino Unido tem, portanto, o poder de pôr fim ao deixa-andar na sua colónia mas não faz nada. Da mesma maneira, sob o ponto de vista financeiro, o arquipélago é uma dependência norte-americana - na realidade, a maior parte dos bancos offshore das ilhas Caimão é gerida por Wall Street. Washington também pode pôr fim às manigâncias offshore. Mas ninguém se mexe."1
É um desvio do direito, um abuso político cujo preço deverá ser pago pelas gerações futuras.» o futuro é hoje! digo eu!!

1 The New York Times, de 10 de Outubro de 1998

in Est-ce dans ce monde-là que nous voulons vivre? publicado em Portugal pela Editorial Inquérito em 2003

da autora juíza franco-norueguesa Eva Joly - famosa pelo caso Elf.

Quem pense que governantes dos EUA e Reino Unido como Bush, Blair, Gordon Brown, entre outros, são pessoas de bem, talvez seja melhor reconsiderar!

À Esquerda : o que fazer ?..

"(...) A esquerda tem de integrar e debater, no seu pensamento próprio, os princípios e os instrumentos possíveis de regulação da globalização: o combate à predação das multinacionais que localizam e deslocalizam investimentos a seu bel-prazer, a taxação das transacções financeiras internacionais, a abertura dos mercados dos países desenvolvidos às exportações oriundas dos países em vias de desenvolvimento, a travagem da proliferação dos off-shores, o combate à economia 'suja' dos tráficos de pessoas, drogas e dinheiro, o combate à exploração de mão-de-obra infantil, escrava ou sem quaisquer direitos sociais, e à degradação ambiental. (...)"
( Manuel Alegre, em Artigo no DN que merece ser lido AQUI com toda a atenção )

terça-feira, 28 de outubro de 2008

A desigualdade global tem de acabar

Os pobres têm subsidiado os ricos desde há muito tempo. Um maior envolvimento do estado na actividade económica é agora necessário. O mais importante é que o sistema financeiro internacional fracassou em encontrar duas exigências óbvias: prever instabilidades e crises e transferir recursos das economias ricas para as pobres. Ler mais...
Por : Jayati Ghosh, economista indiana.
( Via : esquerda.net )

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Enfrentar a crise: paliativos e alternativas

Nunca como hoje, por efeitos de uma crise que muitos teimam em classificar apenas de financeira, se falou tanto em milhões. Milhões, mil milhões, biliões... Aturdido com tantos cifrões e não fazendo eles parte do seu quotidiano nem das suas preocupações imediatas, o povo desliga e espera, como sempre, que os poderosos, os especialistas ou até o Estado protector resolvam lá esse ‘problema’ para tudo voltar ao que era dantes. É claro que esta demissão colectiva de intervir num assunto que a todos afecta é, em boa medida, a razão da perpetuação dos poderosos, dos especialistas ou do Estado (que afinal os representa) na condução do nosso destino colectivo. As razões para que tal aconteça são múltiplas, mas não é disso que me proponho hoje aqui tratar.

É que a estratégia da esquerda (PC e BE, em especial) no modo como tem abordado as medidas de combate à crise, adoptadas e anunciadas quase em simultâneo pela generalidade dos Estados, não me parece estar a ser a mais adequada. Tanto a nível da eficácia de resultados nos propósitos imediatos, como em termos dos objectivos a longo prazo. Em boa verdade ela tem-se limitado – em conformidade, aliás, com o que tem sido a sua prática de oposição à política de direita do PS – a denunciar aquilo que considera ser um apoio escandaloso para salvar os bancos. Independentemente das boas razões ou mesmo alternativas que, em abono desta denúncia, por norma são avançadas (e têm-no sido habitualmente), a verdade é que esta posição pouco mais que crítica da decisão tomada, nada de significativo acrescenta para uma resolução duradoura do problema.

Por um lado, a contestação a este tipo de medidas não tem condições para se tornar eficaz e pode até demonstrar-se contraproducente: na eminência do sistema bancário soçobrar e com ele desaparecerem as poupanças de milhares de pequenos depositantes, a adopção destas medidas surge inevitável. É bom aqui recordar que a natureza da actividade bancária – ou ‘negócio bancário’ – é diferente de todas as outras, que lhe advém de uma dupla responsabilidade social: a de, por um lado, funcionar essencialmente com o dinheiro dos outros, o de milhares de poupanças dos depósitos de clientes que nada têm a ver (enquanto tal) com o risco do capital dos accionistas; por outro, a função de apoio financeiro ao conjunto da economia, indispensável ao funcionamento normal da sociedade no seu todo. Isto significa que um eventual colapso do sistema bancário (ou a falência de qualquer banco) não prejudica apenas os respectivos banqueiros (incluindo os milhares de pequenos accionistas), mas envolve igualmente os que neles confiaram, entregando-lhes, supostamente para maior segurança e melhor gestão, os depósitos das suas poupanças, bem como a capacidade de reproduzirem riqueza através do apoio às actividades produtivas.

E é exactamente por isso, pelo carácter eminentemente social desta actividade e dos riscos (mais que comprovados pela realidade) de a sua gestão privada tender para se desviar dos propósitos que a devem nortear (com graves ou mesmo irreparáveis danos, directamente para os seus depositantes, indirectamente para toda a sociedade), que mais se justificará agora exigir que o Estado assuma o controle público de todo o sistema financeiro (não só a nível interno, como, de forma coordenada, a nível internacional). Aliás, o maior risco que a esquerda corre ao não avançar mais declaradamente para uma exigência política que, longe de quaisquer traumas ou complexos históricos, corresponde a uma necessidade social e faz parte da sua herança cultural, é vir a ser ultrapassada pela própria realidade.
Sintomático o agitado afã de Sarkozy neste domínio específico!

Hoje, depois da hecatombe que não pára de agravar-se todos os dias, já ninguém duvida que alguma coisa vai ter de mudar, em especial na área financeira. O que ainda não é claro é qual a dimensão e sobretudo a natureza dessa mudança. E se, até agora, o sistema se tem resumido a injectar cada vez mais milhões (?) sobre os inúmeros e crescentes buracos da crise – na expectativa de que, mudando alguma coisa, o essencial fique na mesma – à esquerda compete, a meu ver, contribuir para tornar claras as verdadeiras opções que neste momento se colocam às sociedades – em termos de alternativas ao sistema capitalista que as tem (des)governado!

Estatuto dos Açores : hoje, o dia "D" ...

Hoje, termina o prazo para o Presidente da República prumulgar ou vetar o Estatuto Político-Administrativo dos Açores.
Aguarda-se, assim e com natural expectativa (?), a decisão de Sua Excelência sendo que, e desta feita, não foi tão "lesto" como em outras ocasiões e assuntos; porque será ?..

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Até quando ?..

Surgiu mais um estudo sobre Educação Sexual nas escolas por parte da associação para o planeamento familiar (APF) e o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Este revela que quase metade (48 por cento) dos jovens tem conhecimentos considerados insuficientes sobre os locais onde podem adquirir contraceptivos. A Educação Sexual nas escolas está legislada há décadas, contudo esta questão contínua no papel. A irresponsabilidade, a insensatez e a inconsciência educativa do Ministério da educação tem sido notória, estando este calado perante os factos completamente à vista. Ler mais...
(Via : Esquerda.net)

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Excertos de uma entrevista

Ainda (muito) a tempo de aqui trazer, dada a pertinência do assunto e o mérito da abordagem, extractos de uma longa e notável entrevista – tanto pelo entrevistado, José Saramago, como pela entrevistadora, Pilar del Rio – saída no Expresso (revista Única) de 11 de Out.08. Ela, Pilar, que fez questão, logo no início, de deixar claro que não se resumiria a pôr questões, mas que opinaria também, o que tornou esta entrevista mais numa análise ou comentário de ambos sobre alguns dos temas mais em evidência na actualidade. Numa estrutura em que Pilar avançava com as deixas, deixando para Saramago mais o respectivo desenvolvimento, por vezes num motivador confronto das ideias expostas por cada um.

Como aconteceu, por exemplo, a propósito da crise mundial, que começou por financeira e agora cada vez mais se mostra geral e abrangendo o conjunto dos aspectos sociais. Apenas, pois, alguns excertos, pela oportunidade da reflexão e sempre pela lucidez e clareza da exposição. Com maior destaque, apesar de tudo, para as deixas que para os seus desenvolvimentos...

A aparente insensibilidade das opiniões públicas perante os enormes contrastes produzidos pela globalização liberal, que pouco ou nada reage ao aprofundamento das desigualdades e das situações de miséria extrema, dá o mote para a análise do tema. E o início de uma explicação surge através da pergunta que já inquietava Almeida Garrett: “quantos pobres são precisos para fazer um rico?”. Pilar esboça uma resposta ao afiançar que “(...) as pessoas não sabem (que a riqueza se alimenta da pobreza). Se os mestres do pensamento, se os partidos políticos de esquerda não o dizem, não sabem que são necessários muitos milhões de pobres para que haja um rico, simplesmente olham para os ricos com admiração, sem pensar que essa riqueza está construída sobre a pobreza de milhões de pessoas”.

Em nova deixa, Pilar desvenda um pouco da lógica que sustenta este sistema: “Se vivemos numa sociedade de mercado, se o mercado regula a democracia, parece que os governos têm de ser disciplinados segundo os interesses dos grupos económicos, e devem socorrê-los, chegado o caso, como nesta crise, para que o sistema não entre em quebra”.

E acrescenta: “Dizem grandes economistas que os bancos centrais são as entidades que permitiram os fenómenos que deram lugar à crise e, apesar disso, os analistas convencionais calam-se. O seu silêncio cúmplice frente aos paraísos fiscais, a sua pretensa independência, eram pretextos para gerir a economia a favor dos poderosos, coisa já evidente. Parece que é necessário revelar a natureza dos bancos centrais, assim como a cumplicidade das páginas económicas dos jornais”.

A conclusão vem de Saramago e é, só por si, todo um programa político: “As causas são conhecidas, as consequências não o são tanto, mas são sofridas por milhões e milhões de pessoas. Portanto, a questão está sobre a mesa com uma urgência que todos nós sentimos: é preciso pensar, propor, actuar... Muita coisa se resolveu, no passado, com a participação dos cidadãos”.

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

Uff !!!

Em resultado das eleições de ontem, o Bloco de Esquerda/Açores estreia-se, e logo com um Grupo Parlamentar, uma Deputada (Zuraida Soares, de S. Miguel) e um Deputado (José Cascalho, da Terceira ) ao obter 3,3% ( 2.976 votos ) contra os 0,97% ( 1.019 votos ) registados em 2004, aquando das últimas eleições fazendo, assim, história nos Açores e passsando a ser a quarta força política da Região.
Assim, e tal como afirmou Zuraida Soares, a líder regional do BE/Açores :
« é uma alegria partilhada com todos aqueles e aquelas que fizeram questão de lutar connosco na defesa de uma esquerda socialista plural que vamos levar para dentro do Parlamento Regional».

PS - vou "meter" umas mini-férias, prometendo voltar, tão cedo quanto possivel, à necessária abordagem crítica destas Eleições e aos "engasgos" da Democracia de Carlos César, cujo Partido, nestas eleições, perdeu 1 Deputado e 15.063 eleitores, num cenário de 53,24% de abstenção.

domingo, 19 de outubro de 2008

A afirmação – difícil mas urgente – de um projecto de esquerda (II)

Nunca como agora a situação política foi tão propícia à explicação do que realmente é o mercado e, em geral, todo o sistema capitalista. Sem recurso a elaboradas e complexas explanações económicas, do teor das que serviram à teoria tradicional para enredar a opinião pública, sob pretexto de serem apenas acessíveis a especialistas, por forma a melhor poder apoderar-se dos mecanismos de controle social, a nível económico e político. Daí a necessidade de uma afirmação clara dos objectivos e das políticas para os atingir, num momento de manifesta fragilidade ideológica do sistema, onde por isso mesmo é mais fácil passar a explicação objectiva do que está acontecer e das consequências para a sociedade se não forem adoptadas, a tempo, as medidas adequadas. Como, aliás, penso que foi feito de forma bem expressiva na 2ª das intervenções do Louçã a que me referi antes.

Tenho alguma dificuldade em aceitar que as alternativas propostas pela esquerda ao modelo de sociedade que produziu esta crise se resumam a pouco mais que enfileirar na exigência de uma maior regulação do mercado por parte do Estado. Tarda em os seus representantes mais coerentes (entre os quais naturalmente o Louçã), conseguirem libertar-se do peso do condicionamento mental imposto por 30 anos de domínio liberal absoluto e pela falência do ‘socialismo real’ (apesar de criticado há muito por uma boa parte deles). Mesmo depois de profundamente desacreditado (ou ferido de morte?) pela actual crise, o modelo liberal assente num mercado pretensamente auto-regulado parece manter-se praticamente incólume, dos responsáveis e restantes actores aos propósitos e prática política, onde os discursos e todas as diligências vão no sentido de lhe introduzir as correcções que, dizem, eliminarão as falhas que originaram tudo isto. Agora, como sempre, o sistema prepara-se para, através de algumas mudanças, conseguir que, no final, tudo fique na mesma.

Mas que o não seja com a complacência (no mínimo) da esquerda. Que parece manietada pelo entrelaçado nó górdio em que se transformou o actual descalabro económico, muito por efeito das depreciativas suspeitas tecidas em torno da intervenção pública (tida como serôdia, quase arqueológica), pelo que, até agora, nem sequer ousou avançar com uma medida tão óbvia como a do controle político do sistema financeiro a nível mundial, porventura por pudor ou receio de tal medida ser apodada de filiada no tão negregado e já por demais eviscerado ‘socialismo real’. Certo é que esse controle está já a acontecer, não por proposta inserida em qualquer modelo alternativo, antes sob pressão da própria realidade que todos os dias parece superar os cenários mais sombrios da véspera. Correndo-se o risco, claro, de vir a ser recuperado e integrado no sistema, a seu devido tempo.

Tal como eu o entendo (e, penso, corresponde à sua matriz), o Bloco não é um partido no sentido leninista do conceito, mas um projecto onde convergem diferentes sensibilidades unidas por um propósito comum, a construção de uma sociedade socialista – ele próprio, é certo, rodeado de grandes incertezas sobre a natureza dessa alternativa e, portanto, de difícil conciliação na prática. Mas tem sabido conjugar a intransigente defesa deste ideário com a luta contra todos os sectarismos, o que lhe atribui especiais responsabilidades no conjunto das forças políticas de esquerda. Por isso mesmo os seus objectivos, sobretudo nesta fase histórica, não podem dissociar o trabalho pedagógico de consciencialização crítica, do trabalho político propriamente dito, incluindo o de índole mais eleitoral.

Até porque, em minha opinião, o Bloco não pode resumir-se a pretender ser apenas o refúgio dos episódicos descontentes do PS. Porque se arrisca a ser constituído por um núcleo, pequeno, de militantes fiéis e uma massa, mais ou menos significativa (conforme as conjunturas), de simpatizantes (e eleitores) flutuantes. E a diferença para um projecto mais consistente, capaz de suscitar uma maior fidelização, pode bem residir na clareza da alternativa proposta ao actual modelo social assente no mercado, que não deve pretender ser constituída em torno da ‘velha’ pretensão liberalizante de expurgar os aspectos negativos desse modelo (que tem sido, afinal, a ‘missão histórica’ dos partidos socialistas tradicionais), antes afirmar-se claramente anti-capitalista e de ruptura com o sistema.

Hoje, como nunca, a discussão sobre o conteúdo dessa alternativa impõe-se com urgência.

Eleições nos Açores : hoje, é dia de Votar ...


sábado, 18 de outubro de 2008

Duas mensagens para um projecto?

Na quinta-feira passada (16 de Out.), à noite, assisti a duas intervenções do Francisco Louçã sobre a actual crise. Primeiro na televisão, depois num debate promovido pelo Le Monde Diplomatique. E se trago aqui o assunto é sobretudo por não estar seguro de as mensagens transmitidas nas duas comunicações se poderem sobrepor, ou mesmo de uma poder ser o desenvolvimento da outra. E também porque me permite expressar um pouco aquilo que me parece ser, até à data, a estratégia da esquerda perante a crise e analisá-la criticamente.

Dir-se-á, desde logo, que a táctica comunicacional, atenta a heterogeneidade das duas audiências, aconselharia mensagens diferentes na forma (embora reproduzindo uma orientação comum). A primeira, dirigida a um público muito diversificado e por isso mais moderada, apontando para medidas imediatas e próximas das preocupações das pessoas; a segunda, perante um auditório já motivado pelo tema, permitindo um tratamento mais elaborado e de perspectivas a longo prazo. Contudo, a sensação que retirei destes dois momentos do Louçã é que podem não ser totalmente convergentes (descontando, portanto, o efeito dos públicos e dos meios de comunicação utilizados diferentes).

Explico-me:
– Na entrevista televisiva (não vi os 5 a 10 minutos iniciais), a preocupação do Louçã parece ter sido a de acomodar (ou pelo menos não hostilizar) a onda dominante que pretende sobrevalorizar as causas morais da crise – insistindo na ganância e na fraude dos gestores financeiros – enquadrando, por isso mesmo, a sua saída, em medidas de correcção mais de natureza técnica (maior regulação dos mercados, é certo que com um maior controle político do Parlamento) do que de natureza política, ainda que pondo em evidência a dualidade de comportamentos do Estado perante as vítimas daquela: pressuroso e mãos largas no caso dos financeiros, alheado, por exemplo, no caso dos desempregados com casa própria, de repente impossibilitados, por razões alheias à sua vontade, de cumprirem com os planos de pagamentos acordados.

– No debate do MD, entretanto, as causas da crise vão muito para além da ética dos gestores e entroncam na natureza do próprio sistema capitalista mundial, basicamente num processo de profunda desvalorização do capital, sobretudo financeiro (essencialmente capital fictício, pois nas duas ou três últimas décadas, ele tem sido sustentado pela especulação bolsista com epicentro na ultraliberal América!), conduzindo logicamente à desvalorização do trabalho de cuja sobreexploração se alimenta a sua acumulação. E se assim é, a solução para a crise não passa por mais ou menos regulação e melhores níveis de auditoria das empresas – pois comprova-se que a isenção e independência dos reguladores e auditores é uma falácia destinada a legitimar o poder económico capitalista, precisamente baseado na desregulação do mercado! – passa pela alteração radical da política e, logicamente, do papel do Estado na economia.

É certo que o condicionamento do meio televisivo, face à diversidade dos públicos atingidos, aconselha alguma prudência, até para garantir alguma eficácia da mensagem que se transmite. Penso, no entanto, que a degradação das condições actuais, a nível económico, político e até (ou sobretudo) ideológico, é hoje particularmente propícia à demonstração de que um outro modelo de sociedade se tornou indispensável e, por isso, aconselharia maior ousadia no seu conteúdo. E designadamente uma melhor explicitação (tanto quanto é já hoje possível fazê-lo) dos objectivos e medidas para os atingir.
Como tentarei mostrar em próxima posta.
(...)

Eleições nos Açores : falta 1 dia ...


Por aqui, nos Açores, hoje, é dia de reflexão ...


sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Eleições nos Açores : faltam dois dias ...

«O homem sensato só pensa nas suas inquietações quando julga de interesse fazê-lo; no restante tempo pensa noutras coisas e à noite não pensa em coisa nenhuma.
Não quero dizer que numa grande crise, por exemplo, quando a ruína está iminente, ou quando um homem tem razões para suspeitar que a mulher o atraiçoa, seja possível, a não ser a alguns espíritos excepcionalmente disciplinados, afastar o tormento nos momentos em que nada se pode fazer para o remediar.
Mas é perfeitamente possível afastar as pequenas inquietações de todos os dias, a não ser que seja necessário enfrentá-las.
É surpreendente como a felicidade e a eficiência aumentam quando se cultiva um espírito ordenado que pensa adequadamente no momento preciso em vez de inadequadamente em todos os momentos.
Quando uma decisão difícil tem de ser encontrada, logo que se reúnem todos os dados aplica-se ao assunto a melhor reflexão e decide-se; essa decisão, uma vez tomada, não deve ser corrigida, a não ser que se chegue ao conhecimento de novos factos.
Nada é tão fatigante como a indecisão e nada é tão fútil.»
Bertrand Russell, in «A Conquista da Felicidade»

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Eleições nos Açores : faltam 3 dias ...

«Poderia definir-se o sentido de possibilidade como aquela capacidade de pensar tudo aquilo que também poderia ser e de não dar mais importância àquilo que é do que àquilo que não é. Como se vê, as consequências desta disposição criadora podem ser notáveis; infelizmente, não é raro que façam aparecer como falso aquilo que as pessoas admiram e como lícito aquilo que elas proíbem, ou então as duas coisas como sendo indiferentes. Esses homens do possível vivem, como se costuma dizer, numa trama mais subtil, numa teia de névoa, fantasia, sonhos e conjuntivos; se uma criança mostra tendências destas, acaba-se firmemente com elas, e diz-se que tais pessoas são visionários, sonhadores, fracos, gente que tudo julga saber melhor e em tudo põe defeito.Quando se quer elogiar estes loucos, chama-se-lhes também idealistas, mas é claro que com isso só se alude à sua natureza débil, incapaz de compreender a realidade, ou que a evita por melancolia, uma natureza na qual a falta do sentido de realidade é um verdadeiro defeito. [...]
É a realidade que desperta a possibilidade, e nada seria mais errado do que negar isso. E no entanto, no cômputo global ou em média, as possibilidades serão sempre as mesmas até aparecer alguém para quem uma coisa real não é mais importante do que uma imaginária. É ele que dará às novas possibilidades o seu sentido e a sua finalidade, é ele que as desperta.»
Robert Musil, in «O Homem sem Qualidades»


Nota : esta “postagem” é dedicada a Tod@s e a Cada Um(a) que assistiram, ontem, na RTP/Açores a uma “coisa” que, em tempo de Campanha Eleitoral, pretendia ser uma espécie de debate, e que demonstrou, feliz e cabalmente, e para quem tivesse quaisquer dúvidas, a qualidade da Democracia vivenciada na Região Autónoma dos Açores.
Para quem, ainda e agora, possa ter quaisquer indecisões, eu, pela minha parte, por causa DISTO, votaria em Zuraida Soares, porque tenho a certeza que : nos Açores, o Bloco Faz Falta !!!

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Eleições nos Açores : faltam 4 dias ...

Porque é importante para @s Açorian@s o Voto em Zuraida Soares ?
Porque, nos Açores o Bloco Faz Falta !!!


O Bloco de Esquerda fará no próximo ano, em 2009, dez anos.
É, portanto, um partido jovem, ainda muito jovem e nasceu por uma razão objectiva, por um imperativo de necessidade :
- era preciso esquerda com alternativa(s) …

Nestas Eleições Regionais, em 19 de Outubro, com a eleição de uma representação parlamentar, nada fica(rá) como outrora na Assembleia Regional dos Açores.
Porque, com representação parlamentar, o Bloco de Esquerda/Açores fica(rá) seriamente comprometido e empenhado no sentido de desmontar a “césarista” inevitabilidade do pensamento único.
Tratar-se-á, é certo, de uma tarefa árdua e muito exigente, porquanto a criação dessa alternativa ( de e à esquerda ) terá de mobilizar, de encontrar respostas muito coerentes na oposição ao próximo futuro Governo de Carlos César procurando, por um lado, uma abrangente vivência social contra as desigualdades e as injustiças da maioria da população e, por outro lado, a busca de um pensamento crítico que “invente” respostas, que destrua ideias feitas, que combata este liberalismo reinante.
Sabe-se, sabemo-lo tod@s, que o governo do partido e/ou o partido do governo, i.e.: o PS/Açores e Carlos César já ganharam estas eleições regionais; então, porquê (em)prestar-lhe mais um voto, o Seu voto, contribuindo, assim, para uma maioria ainda mais absolutista ?
Ter-se-á dado conta, certamente, que em época pré-eleitoral, o governo do partido e/ou o partido do governo, i.e. : o Governo Regional do PS/Açores, encetou uma inusitada campanha de operação de propaganda no sentido de “vender” a ideia que, nos Açores, vive-se um oásis de/na governação…
Você, Açorian@, das diversas Ilhas do Arquipélago, consegue, por acaso, descortinar este “tudo vai bem” na Região Autónoma dos Açores ?
Ora, é por tudo isto, e por este Manifesto, que o Bloco de Esquerda/Açores, no dia 19 de Outubro, deve(rá) ser merecedor do Seu voto.
Para que o Bloco de Esquerda/Açores seja, de facto e de direito, uma nova alternativa ( de e à esquerda), uma esquerda de confiança, combativa, imaginativa que, com muita e muita energia, possa afirmar-se no espectro politico dos Açores, no Parlamento Regional.
Para que, no Parlamento Açoriano, o Bloco de Esquerda/Açores, como alternativa ( de e à esquerda ) de confiança, não traga qualquer “sossego” ao próximo futuro Governo Regional.
Porque, no dia 19 de Outubro, todos os Votos contam, não hesites e Vota no Bloco de Esquerda/Açores, Vota em Zuraida Soares.

Porque, nos Açores o Bloco Faz Falta !!!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

O Casino, de novo

Nas Bolsas de todo o mundo, às maiores quedas de sempre sucedem-se agora as maiores subidas de sempre, sob efeito das medidas tomadas pelos Governos de todo o mundo, disponibilizando biliões dos recursos que arrecadam de todos os contribuintes para salvar o que apelidam de irresponsabilidade dos gestores. Neste contexto, o apelo de Bush para ‘uma resposta séria à escala mundial’, não passando de mais uma inócua pretensão de liderança, constitui patética demonstração de falta de vergonha.

A dúvida que agora se instala (só agora?) é se esta nebulosa e lastimável conjugação – Bolsas, Governos, contribuintes, gestores – não irá voltar ao que era antes e tudo, afinal, não vá passar de mais um jogo deste estranho casino em que o mercado transformou a economia mundial. É que até aqueles ganhos – poucos – que se admitiam poder resultar da crise, relacionados com a poupança da energia e uma maior moderação nos comportamentos, se encontram agora em risco, com a mensagem transmitida ao consumidor de que, afinal, o susto passou, pode continuar a gastar como antes.

Esquecida a memória, ignorada a razão, restam, como sempre, os interesses. Os de sempre, sobretudo: os da minoria que se serve da ‘ideologia do mercado’ para a defesa dos seus particularíssimos interesses. A esperança, essa, persiste, e reside em que a imensa maioria se tenha mesmo apercebido das piruetas a que a ‘ideologia’ se viu obrigada para salvar o 'mercado’.

Tudo se conjuga, pois, para se ‘voltar ao que era dantes’, para se dar por encerrado este incómodo episódio, para o considerar apenas um hiato na ‘permanente subida aos céus do capitalismo’, para se regressar, portanto – porventura com alguns acertos mais ou menos cosméticos – ao ‘melhor dos mundos’. Amem.

Eleições nos Açores : faltam 5 dias ...

"A ignorância é uma coisa vil, abjecta, indigna, servil, sujeita a inúmeras e violentíssimas paixões. Destes insuportáveis tiranos que são as paixões - e que por ora nos governam alternadamente, ora em conjunto - te libertará a sabedoria, a única liberdade autêntica.
Para chegar à sabedoria, um só caminho e em linha recta; não há que errar, avança em passo firme e constante. Se queres que tudo te esteja sujeito, sujeita-te tu à razão; dirigirás muitos outros, se a ti te dirigir a razão. Ela te dirá o que deves empreender, e que maneira; assim não serás surpreendido pelos acontecimentos.
Tu não podes apontar-me alguém que saiba de que modo começou a querer aquilo que quer.
E porquê?
Porque o comum das pessoas não é levada pela reflexão, mas arrastada por impulsos. A fortuna cai sobre nós não menos vezes do que nós caimos sobre ela.
A indignidade não está em «irmos», mas em «sermos levados», em perguntarmos de súbito, surpreendidos, no meio de um turbilhão de acontecimentos:
«Mas como é que eu vim parar aqui?»
Séneca, in «Cartas a Lucílio»

domingo, 12 de outubro de 2008

O controle ideológico da crise

Por estes dias, o tema que mais atenções – e preocupações – suscita é, de longe a ‘crise internacional’ e as formas de a ultrapassar. Como seria de esperar, a comunicação social concede-lhe largo destaque, obviamente mais concentrada nas audiências do que em contribuir para a sua resolução. Tardam a aparecer alternativas reais à situação actual.

Depois de uma longa gestação, de vários ameaços e não sei quantos avisos, a crise explodiu e parece ter apanhado meio mundo de surpresa (o outro meio, talvez mais, nem se apercebeu de qualquer mudança, pois o seu estado 'natural' é a crise permanente). Passado um primeiro momento de quase aturdimento e de manifesta desorientação, a nível dos responsáveis políticos e dos analistas mais encartados, surpreendidos (e até assustados) com a dimensão atingida, adoptadas as medidas de emergência tidas como indispensáveis – com a proscrita intervenção dos Estados a ser considerada bem vinda – entrou-se na fase das análises pretensamente mais ponderadas, mais informadas, mais técnicas, a pensar porventura já no mais longo prazo.

Não admira, pois, que a toda hora a crise seja tema de debate na generalidade da comunicação social. Mas por mais incrível que pareça, os ‘especialistas’ convidados para estas análises são exactamente os mesmos que no passado apareciam a fazer a apologia do modelo que agora entrou em crise (limito-me aqui a constatar uma evidência factual, sem qualquer juízo de valor, a de que o modelo de mercado está em crise, sem me atrever sequer a afirmar se a crise é passageira ou profunda – embora sobre isso já haja poucas dúvidas – ou se entendo as medidas em discussão para a conter ajustadas ou fora de propósito).

Assistimos então à sistemática repetição dos mesmos comentários, à análise das causas apenas à superfície e a propostas de solução de igual jaez, com a ritual declaração prévia – não vá alguém supor tratar-se de herege na clandestinidade ou, pior ainda, rotundo analfabeto em economia – de profunda convicção e absoluta fidelidade ao mercado (normalmente arvorado no par ‘elegante’ da democracia) e sempre às mesmas conclusões: o que falhou foi a regulação, logo introduza-se mais regulação com melhor controle!

Mas então nestas circunstâncias e apenas de um ponto de vista meramente racional, de simples eficácia nos resultados, não seria mais avisado proporcionar o confronto de verdadeiras alternativas e, para isso, convidar pessoas com concepções e pontos de vista diferentes, porventura antagónicos, por forma a permitir-se alargar o leque das eventuais soluções e saídas para a crise? Não seria até mais inteligente adoptar as regras do método científico na procura da maior objectividade e, depois do que aconteceu, pôr tudo em causa e partir à descoberta da verdade – o que implica alargar o leque das possibilidades até onde for preciso?

Até agora, porém, não vi em nenhum dos debates uma única posição discordante da linha dominante que define o mercado como o par ideal da democracia. Será mesmo?

Respira-se um ar bafiento e maçador nestes debates repetitivos, previsíveis e viciados à partida. Nada de novo acrescentam, servem apenas para justificar posições passadas, prolongar vantagens adquiridas, adiar mudanças inevitáveis. Faz-se sentir sobre os intervenientes, independentemente das boas intenções de alguns, o peso asfixiante da ideologia que em determinado momento chegou mesmo a proclamar o ‘fim da História’, entretanto já desmentido pelo seu próprio autor, o que traz à memória o célebre dito de Mark Twain aos que o davam como morto: ‘as notícias da minha morte são manifestamente exageradas’!

O debate sobre as alternativas reais à desgovernação que nos conduziu à presente situação tarda, pois, a ter lugar, pelo menos a nível público e aberto. Mais uma vez irá ser a realidade a reclamá-lo. E, pelos vistos, não há-de faltar muito. As soluções de dentro do sistema não passam de paliativos e estão em vias de esgotar as suas possibilidades, até agora, como era de prever, sem mostras de grandes melhoras.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A génese da crise, segundo alguns neoliberais

Têm-se multiplicado, como era de prever, as explicação dos neoliberais para o eclodir da crise actual – que teimam em reduzir à financeira, mas que vai muito para além desta, como já é bem perceptível – na tentativa de sacudirem do capote as suas mais que óbvias responsabilidades. Uma delas, talvez a mais recente, junta, de um lado (na Sic/N) Pedro Ferraz da Costa, o ex-patrão dos patrões, a Eduardo Catroga, o ex-ministro de Cavaco (que já antes, em entrevista ao DN, havia tentado proeza idêntica, num ‘embrulho’ histórico sobre as crises anteriores), no denodado e concertado esforço de investigação pela ‘descoberta’ da génese (é mesmo assim que este último lhe chama) da crise financeira actual!

Apuraram estes dois briosos paladinos da verdade histórica que a explicação remonta, pasmem, a 1999 (só?), quando – e citam um artigo do New York Times de então – a Administração Clinton, na tentativa de democratizar a aquisição de habitação, pressionou o Freddi Mac e o Fannie Mae a concederem crédito às populaçôes hispânica e negra para essa finalidade, daí resultando o já tristemente famoso ‘sub-prime’, o malfadado vírus da crise actual (!).

Caem, assim, por terra as explicações de tipo moralista em que até aqui afanosamente se refugiavam os liberais menos informados (por menos dados a investigações) para não terem que admitir máculas insanáveis no mercado, quando afirmavam – constata-se agora que apressadamente – que a causa deste descalabro tinha a ver com a ganância, a fraude e até a corrupção de alguns gestores financeiros pouco escrupulosos.

Nada disso. A origem da crise, afinal, esteve, mais uma vez, no Estado, a causa última de todas as falhas, definitivamente a explicação suprema para todas as crises! Mesmo quando esse Estado está declaradamente ao serviço e sob dependência do mercado – como era sem sombra de dúvida então o caso – ou quando a ele se recorre em desespero de causa na esperança de se remediar o mal feito e evitar-se o pior – como é de forma ostensiva agora o caso.

As piruetas e malabarismos a que se sujeitam os atarantados neoliberais seriam cómicas não fora a situação ser dramática. Esperemos, a bem da maioria que, como sempre, mais irá sofrer com ela, que a não transformem numa tragicomédia, pois já basta o que aconteceu – e continua a acontecer!

Decididamente estas luminárias, inebriados pela fé no poder mágico (auto-regulador) do mercado, demoram a acordar para a realidade. E quando isso acontecer (mais cedo ou mais tarde vai mesmo acontecer), só esperamos que o acordar deles não coincida com eventuais pesadelos nossos.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Deflação ou inflação?



A propósito da discussão em torno das taxas do BCE e da evolução da Euribor, no contexto do turbilhão da crise financeira, económica e moral, ver esta "postagem" no "Futuro Comprometido".

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Credibilidade e diplomacia

Portugal, pela voz do MNE, informou-nos que vai reconhecer o Kosovo e juntar-se ao restrito clube de países (pouco mais de 40 dos 203 que existem) que já o fizeram. Apenas duas perguntas:
– Porquê agora? Ou, de modo mais explícito, o que é que mudou desde a declaração unilateral da independência por parte desta província sérvia até hoje, para o ‘nosso’ reconhecimento ter sido agora e não então?
– Pela mesma lógica, o que impede o MNE de reconhecer também a Ossétia do Sul e a Abcázia?

Respostas difíceis, quando a lógica da diplomacia se rege apenas na base dos interesses e das pressões internacionais (mais ou menos negociadas, com menos ou mais contrapartidas). Mas mais incompreensível se torna a tomada desta medida, agora, quando somos informados que este mesmo MNE apoia a Sérvia na sua proposta junto da ONU para que aquele processo venha a ser considerado ilegal !!!

Verdadeiramente arrasadoras as declarações de Carlos Santos Pereira na SIC/N, incluindo informações comprometedoras relativas a relatórios recentes da UE que apontam claramente pela inviabilidade absoluta deste Estado fantoche, associadas à da mais que provável razão por trás deste Estado: a instalação de uma base estratégica dos EUA no território.

Uma coisa parece certa: o MNE português acabou de perder, na cena internacional, boa parte da credibilidade que havia acumulado quando decidiu não seguir as referências ocidentais neste irregular processo (até pelo precedente aberto).

Eleições nos Açores : faltam 11 dias ...

Faleceu, hoje, em Ponta Delgada, vítima de doença prolongada, o Veríssimo Borges. Tinha 60 anos e fazia o favor de ser meu Amigo.
Foi um ecologista militante e os Açores e o movimento ambientalista perdem, assim, uma das vozes mais importantes, porque desassossegada, pertinaz e corajosa.
A última vez que estive com o Veríssimo foi quando, este verão, em Julho p.p., participamos na Convenção do Bloco de Esquerda, em Ponta Delgada.
Nestas eleições regionais, como independente, o Veríssimo Borges era o 2º Cabeça de Lista pelo Bloco de Esquerda no Circulo Eleitoral de S. Miguel.
Chegou a gravar os tempos de antena onde apelava ao Voto no Bloco de Esquerda e fiéis à sua memória e vontade expressa, a sua voz e imagem acompanhar-nos-á até ao fim desta campanha. O Bloco de Esquerda/Açores decidiu suspender todas as iniciativas da Campanha Eleitoral até à efectivação do funeral, amanhã, às 10 horas, com partida da Igreja de Sant´Ana, em Ponta Delgada.
A toda a Sua Família, os votos de sentido pesar, com a certeza – tal como era vontade do Veríssimo - que outros se levantarão e não se deixarão silenciar pelos poderes instalados.
Aquele abraço, Veríssimo !!!

Regulação e reguladores, políticas e políticos

Observo a Autoridade da Concorrência em pessoa, Manuel Sebastião de seu nome, a debitar explicações e outras considerações sobre os preços dos combustíveis. Refugia-se na apresentação dos métodos estatísticos que vai utilizar para elaborar (mais) um novo estudo que irá ficar concluído daqui a seis meses (!), em Março do próximo ano.

Por trás do intenso matraquear dos estudos projectados por esta ilustre Autoridade, interrogo-me se a personagem tem vida real – se sabe o custo dos produtos que consome, se vai às compras, se mete gasolina no carro,... – ou se não passa apenas de mais uma peça na engrenagem.

Afinal, este é o arquétipo de regulador do mercado que se diz ter falhado nas suas funções e por culpa de quem a crise teve origem. De algum modo inquieta-me saber isso, esta personagem concreta – pelo que observo e pelo que se sabe dela – não inspira confiança, mas o certo é que nada de substancial mudaria se fosse outra qualquer. Se a solução passar apenas pela melhoria da regulação, de pouco adiantará e em breve tudo voltará ao mesmo, porque é o próprio modelo de mercado que empurra e impõe a desregulação.

Compare-se com o que acontece com a alternância dos partidos do centrão em que, não obstante a dança das cadeiras governamentais, nada muda em substância (o que é até uma das razões para o crescente alheamento político das pessoas). Por uma vez experimentem, num caso e noutro, mudar as políticas, ao menos façam lá a experiência para ver no que é que dá! Assim como assim, pior já vai ser muito difícil. Sobretudo, como sempre, para mal dos mais desfavorecidos.

Um serão na família liberal

O dia seguinte ao da comemoração da República, arrisca-se a ficar na História (caseira, mas ainda assim com letra grande) a vários títulos. Para além do recorde alcançado pela queda da Bolsa (acompanhada, aliás, pela generalidade das suas congéneres, a nível mundial); da declaração do Ministro das Finanças garantindo a segurança das poupanças dos portugueses, ‘aconteça o que acontecer’; do estudo do ACP confirmando a concertação de preços entre as gasolineiras (mesmo em plena crise, onde estão as regras da concorrência?), ao final da noite fomos mimoseados com declarações surpreendentes (apenas pelo desaforo do gesto, que não pelo seu mais que consabido conteúdo!).

Nunca como agora se assistiu a um tal nível de descaramento e falta de vergonha no que diz respeito à forma como os prosélitos do mercado e os neoliberais de todas as tendências (incluindo algumas ditas ‘socialistas’) decidiram enfrentar a dura realidade e os gravíssimos problemas que a aplicação ilimitada e incondicional das suas ideias produziu nas sociedades actuais – cujos efeitos começam a ficar bem à vista! Fortes (ou inchados?) da incontestada liderança ideológica mantida nos mais de 30 anos passados, seguros da debilidade da oposição ao modelo de mercado por ausência, dizem, de alternativas concretas após a queda do muro de Berlim (não é por acaso que o ‘socialismo real’ continua a ser o único modelo com que gostam – e aceitam! – confrontar-se), numa demonstração de ilimitada confiança, escancaram os seus propósitos e alardeiam insolente audácia, avançando com propostas ofensivas dos mais elementares princípios da ética e da inteligência.

Aconteceu no último programa público (?) ‘ Prós e Contras’, da inefável Fátima Campos Ferreira, pela boca do representante da CIP (o omnipresente eng. Van Zeller) que nestas coisas tem pelo menos o mérito de ser claro e directo. Como o foi no presente caso. Depois de afirmar que, ao contrário dos EUA, ‘na Europa havia regras’, mas ‘aparentemente sem grandes resultados’ (o mercado é que manda, seja nos ultra-liberais EUA, seja na regulada Europa), sustentou que para se ultrapassar a presente crise, ‘o Estado devia orientar a economia durante uns anos’, acrescentando de imediato ‘desde que não seja para toda a vida’, ou seja, logo que recuperada, devolvia-a aos privados!!!

Ouve-se e não se acredita. Só a completa desfaçatez ou a certeza de estarem a lidar com mentecaptos – nós todos, pois então! – explica tamanha ousadia e atrevimento em explicitarem o que se sabe acontecer na prática, mas não é conveniente admitir-se publicamente: que o Estado (segundo esta concepção, estrutura pesada e ineficiente, as mais das vezes servindo ‘apenas’ para explicar as denominadas falhas de mercado e que, portanto, atrapalha e dificulta o seu funcionamento), afinal agora surge mesmo como a única estrutura com capacidade e, pelos vistos, suficiente eficácia, para salvar da crise os invioláveis interesses privados – a coberto de o fazer, é certo, em nome da estabilidade social. Mas já a seguir, passado o susto e restabelecidos os equilíbrios, volta tudo de novo ao princípio, retorna a ser ineficiente e deve afastar-se, entregando a economia saneada (traduzindo, a dar lucro) aos seus eficientes gestores privados,... até á próxima crise e o reiniciar-se deste ciclo!

Sintetizando: o Estado demonstra eficácia na gestão das crises – e em suportar os prejuízos causados pelos gestores privados; o mesmo Estado já não é eficaz na gestão das empresas em períodos de expansão – e em arrecadar os lucros correspondentes. Brilhante!

E foi assim ao longo de todo o serão. Sem contar com o ‘estrangeirado’ de Londres, convidado na qualidade de presumível corresponsável na crise (enquanto gestor de uma grande instituição financeira, o Citigroup), eram seis (6) os doutos intervenientes neste serão em família, todos afinando pelo mesmo diapasão neoliberal: ‘mercado e democracia, a mesma luta’!!! Nem um só destoava nesta aperaltada charanga, instada a executar o ‘requiem’ mais rasca a que me foi dado assistir nos últimos tempos, ao finado e encomendado sistema – apesar da recusa deste em aceitar a confirmação. No final adormeci a sonhar com os anjinhos, não com estes, como é óbvio, demasiado cabeçudos para lhes poder assentar nas beatíficas carolas a auréola celestial.

Do Mendonça (presidente do ISEG), ao Beça (ex-ministro socialista), todos se confessaram acrisolados admiradores das beatíficas virtudes do mercado, convindo embora na necessidade deste, de quando em vez, ter mesmo de pegar de empurrão! Basta de disparates. Estes tipos têm o condão de me tirar do sério e de me porem à prova a minha inata tendência para a rasquice. Mas até quando consentiremos que a alarvice bacoca afronte a nossa inteligência e empobreça esta pobre democracia?

terça-feira, 7 de outubro de 2008

E a crise continua, aprofunda-se,... sem fim à vista!

Os episódios da crise sucedem-se e não dão mostras de abrandar. Ontem foi, mais uma vez, um ‘dia negro nas Bolsas de todo o mundo’ (assim foi noticiado pelos ‘media’). Esta queda generalizada apresentou mesmo valores inéditos na de Lisboa, a rondar os 10% – a maior de sempre na história do PSI 20 – mas foi igualmente muito acentuada nas restantes, com valores também não muito diferentes.

Percebe-se o avolumar da preocupação e com toda a razão, dos depositantes e pequenos aforradores (dos depósitos aos PPR’s), apreensivos com a segurança das suas economias, cada vez mais difícil de garantir perante o desmoronar de um crescente número de empresas financeiras aparentemente sólidas e o desconcerto que parece reinar entre os responsáveis políticos, até ao momento mais empenhados em valorizarem os seus próprios problemas, em lugar de planearem acções conjuntas e de fundo – o que se enquadra perfeitamente nas características de um sistema que valoriza o imediato e o ‘salve-se quem puder’, sobre os interesses colectivos e o sustentável. A desorientação parece ter sido a nota dominante ao longo de todo o dia, com os responsáveis num autêntico virote e frenesim de declarações avulsas e descoordenadas, completamente submergidos pela avalanche de acontecimentos negativos que se iam sucedendo, bloqueados pelos seus próprios esquemas mentais, a um tempo presos no emaranhado de interesses que ajudaram a forjar e incapazes de se libertarem das amarras ideológicas tecidas em torno dos ‘fundamentais do mercado’ !!!

É neste contexto que surgem as declarações do Ministro Teixeira dos Santos procurando sossegar os ânimos ao afiançar que as poupanças dos portugueses “estão garantidas, aconteça o que acontecer”. Só não disse como, nem se, nessas circunstâncias, a inviolabilidade dos princípios que tem seguido na redução do déficit é para manter ou se este é o caso que merece (finalmente) um tratamento de excepção. Porque, já agora, seria muito importante avaliar-se o efeito de (pelo menos) algumas das políticas de redução do déficit na actual situação de anemia económica do país – e o país são, neste caso e antes de mais, as centenas de milhares de desempregados que, ano após ano, desesperam!

Ainda que sem aparente relação com isto, no mesmo dia é tornado público um estudo encomendado pelo ACP dando conta de que afinal existe mesmo concertação de preços por parte das gasolineiras. Entre os ofendidos desmentidos das visadas e os dados do estudo, permanece sobretudo a convicção, generalizada e insofismável, de que alguém anda a abotoar-se com o dinheiro do consumidor final – todos nós, claro. É que, mesmo descontado o efeito da especulação no custo da matéria-prima, perante a acentuada queda desta nos últimos tempos, resta por explicar a razão da diferença de preços nos produtos finais de agora, comparados com os dos períodos em que tal custo era idêntico.

Mas o que me importa mais aqui destacar é a mistificação construída em torno da concorrência, quando o mercado é dominado apenas por dois ou três operadores: pura e simplesmente não existe! E lá se mandam mais uma vez às urtigas os princípios perante a doce realidade dos lucros obtidos a qualquer preço (literalmente!).

De uma penada, em dois casos paradigmáticos, o sistema – o mercado – vê os seus miríficos talentos coarctados na prática, sem que nenhum dos seus indefectíveis paladinos mostre sintomas de ‘arrependimento’ ou quaisquer indícios de poder vir a afrouxar na defesa da teoria. Como se comprova, entre tantos, pelo episódio (reportado noutra posta), do ‘Prós e Contras’, também de ontem.

O que é deveras preocupante, sobretudo porque importaria ultrapassar a crise em bases sólidas e duradouras!

A Crise como resultado de uma extorsão "permitida"



É bom que não nos deixemos enganar por aqueles que nos querem fazer crer que a Crise Financeira em rápida aceleração para a "economia real" é apenas fruto da ganância normal (Prós e Contras de 6/10) de uns quantos investidores que foram longe demais. A verdade é que esta Crise enquadra-se num contexto muito mais vasto, que o conhecimento da Economia Política, e não apenas de Finanças, ajuda a compreender. A verdade é que, na origem desta crise, está uma gigantesca fraude - muita sofisticada, é certo - que permitiu manter altos níveis de crescimento económico (melhor dizendo, altos níveis de consumo, muito dele abjecto - ver The Coming First World Debt Crisis ) num país cada vez menos produtivo, os EUA. Essa fraude consistiu na venda de títulos sem valor a todo o sistema financeiro internacional, que está a conduzir a esta catadupa de bancos descapitalizados. Os líderes europeus são culpados, no mínimo, por omissão. Por terem ido no canto da sereia da alta finança que forçou a desregulamentação dos mercados e por não terem espinha ou coragem - ou, no pior caso, por serem coniventes - para exigir decência por parte do seu grande aliado. A verdade é que os EUA se comportam como um Império em acelerada decadência. Um Império que arruina tudo em redor. A propósito, ler este "post" de há uns tempos.

sábado, 4 de outubro de 2008

Os três tempos da resposta ‘neo-neo-liberal’ à crise

É indisfarçável a atrapalhação e o incómodo dos liberais perante a crise financeira, sobretudo pelo carácter intervencionista da resposta que se encontra a ser preparada para a ultrapassar, a única possível dada a sua dimensão e as circunstâncias que a rodeiam. Os malabarismos linguísticos e mentais a que se sujeitam convocariam um gesto de dó e piedade não fosse dar-se o caso de estarmos a tratar com calculistas insensíveis, que à primeira oportunidade não terão qualquer rebuço em de novo recorrerem e atiçarem os instintos mais primitivos, onde seguramente não cabe aquele tipo de sentimentos. Mesmo quando, por resquícios de pudor ou mera táctica política, o contestam, a sua cartilha impõe-lhes a defesa, na prática, do ‘salve-se quem puder’ em que se baseiam as regras da selva e do primitivismo humano.

Mas passado o primeiro momento de desorientação e pânico, eis que começam a tentar erguer-se do trambolhão sofrido, ainda muito combalidos mas sempre arrogantes e convencidos da sua absoluta razão. Tão convencidos que nem se dão conta do grotesco de algumas situações – resultado de haverem passeado impunemente o seu absoluto domínio ideológico ao longo dos últimos 20 anos(!!!) e sintoma da dificuldade em assumirem o fracasso e aceitarem novas realidades.

Tudo se prepara, pois, para que a crise actual seja ‘atacada em três tempos':

1. Num primeiro momento – o presente – importa conter os efeitos da crise e evitar que alastre e contamine o resto da economia, salvando o barco de se afundar, para o que foi gizado o plano financeiro mais dispendioso da História que irá, assim se anuncia, eliminar os ‘activos tóxicos’ (?) – os incobráveis – das megaempresas financeiras. Sobre o tema já muito se disse e ainda muito haverá por dizer, sobretudo à medida que o mesmo for avançando.

2. Em seguida e como prova da boa fé dos poderes públicos promotores de tais medidas, convirá instaurar um ‘novo’ dispositivo de reguladores mais fiáveis (!) que os actuais – a principal falha do sistema, dizem – por forma a garantir o retomar da confiança indispensável ao normal funcionamento dos mercados e a acautelar, assim o esperam, a repetição destes arreliadores sobressaltos.

3. Por último, na sequência da atribuição da responsabilidade de tudo o que se passou a comportamentos fraudulentos ou corruptos, recorrer à justiça e ser implacável com os prevaricadores – com a conveniente publicidade devidamente controlada por poderosas campanhas de marketing, pois importa alardear perante a opinião pública a ideia de que os ‘maus’ são castigados (as ‘massas’ agradecem o gesto), vibrando com o arremedo de punição dos que vierem a ser designados responsáveis ou culpados pela actual crise. “Culpados?” – irão protestar os implicados. “Nós apenas nos limitámos a interpretar de forma criativa as regras do mercado”.

Tudo isto se baseia, então, no pressuposto de que o sistema é bom, os seus utilizadores é que são maus e, portanto, há que (1) remediar o mal feito, (2) pôr trancas à porta e (3) castigar os infractores – e partir para outra (ou esperar pela próxima?).

Ora, sem se admitir que é na natureza de um sistema que transformou o mundo num imenso mercado (onde só tem valor o que se pode transaccionar e onde, portanto, tudo se compra e tudo se vende), que radica a origem do problema, não é possível encontrar o antídoto adequado à sua resolução. Toda a racionalidade e lógica do sistema assentam precisamente nos instintos mais irracionais e incontrolados, pelo que todas as tentativas de lhe limitar os excessos conduzem inevitavelmente ou (1) à sua natural transgressão ou (2) à deformação da sua natureza (porventura a um outro sistema).

A submissão do poder político à ideologia do mercado é de tal ordem que nem a descomunal dimensão dos apoios que se preparam para o salvar da derrocada é suficiente para o levar a questionar a sua natureza autofágica e destruidora de tudo em seu redor. Encara-se como natural e lógico que o Estado – a expressão pública da vontade colectiva – assuma cobrir os prejuízos privados, mas não gerir e arrecadar os resultados obtidos, ademais através de um processo produtivo integralmente social.

A cegueira ideológica e a defesa de interesses particulares têm impedido a indispensável reorganização social a tempo de se evitarem crises de natureza bem mais profunda que a actual. Nunca como agora se aplicará com tanta propriedade a sabedoria do velho mito de Midas, o rei frígio que transformava em ouro tudo em que tocava,... até a comida que levava à boca, obviamente impedindo-o de se alimentar!

Afinal, o que deverá acontecer mais para que as sociedades, tal como Midas para não morrer de fome, sejam obrigadas, antes que a destruição as atinja, a superar esse poder mirífico ‘de transformar tudo em ouro’ que parece emanar do mercado, passando a pautar a sua actividade por formas de organização social que assegurem, pela maior sobriedade e moderação, os indispensáveis equilíbrios ecológicos e a sustentabilidade do planeta?

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Crise? Qual crise?

VI – Uma alternativa política à crise actual

A crise exige, pois, uma resposta política – e não a meramente técnica, em que se afadigam, em vão, os próceres liberais. Mas mais que um programa de acção ou proposta política – que não cabe aqui apresentar nem defender – importa sobretudo formular os princípios que devem servir de base à construção do novo tipo de relações sociais saído da crise, um código de conduta que permita aferir da valia e capacidade das medidas que vierem a ser adoptadas pelos poderes públicos para se passar das intenções aos actos, para efectivamente se poder falar em controle das causas que a determinaram, para, enfim, ser possível um mundo diferente. Naturalmente, de âmbito de aplicação universal – ainda que sem grandes ilusões sobre a sua concretização.

É nesse propósito que aqui apresento o que entendo dever integrar, na actual fase, uma plataforma mínima de entendimento. Longe da pretensão de ser exaustivo (não mais que meramente indicativo), ou sequer inovador (tudo o que delaconsta tem vindo a ser proposto, há muito e pelas mais diversas entidades), muito menos de poder constituir um documento completo e finalizado (indiscutível e fechado, portanto). Para obstar ao estafado argumento de que a esquerda só sabe criticar, mas não tem alternativas viáveis a apresentar. Mesmo que o seja apenas em termos de princípios muito genéricos, porque o que importa, nesta fase, é que se demonstrem exequíveis e de aceitação suficientemente universal.

Em geral, as regras enunciadas (ou a base de que são extraídas) constam já do que se pode designar por um largo consenso constitucional, muitas integradas (sob diferentes formas) nas leis fundamentais das principais democracias do mundo – ou, pelo menos, sem que ninguém as ouse contestar. Contudo, haverá sempre quem argumente que os princípios aqui expostos são irrealistas, que a sua concepção é demasiado abstracta pois não atende aos últimos avanços económicos (tão avançados, direi eu, que puseram o mundo à beira duma catástrofe – como é o caso dos famigerados ‘off-shores’!), ou que tudo isto não passa de mero exercício teórico, dominado por um idealismo utópico e fantasioso. Ainda assim, vale a pena arriscar!

Para que tudo não fique na mesma – mas, reafirmo, sem grandes ilusões! – importaria, pois, que a discussão sobre as medidas a adoptar se centrasse em torno dos seguintes pontos:


1. Activar princípios básicos democráticos na organização social – no plano do Estado e das empresas – essencialmente a quatro níveis:
– impor o domínio da política sobre a economia, por forma a que as escolhas políticas livremente assumidas se sobreponham às das do livre curso das forças do mercado;
aproximar os eleitos dos seus eleitores, com a adopção do princípio da descentralização do poder do Estado (pelo recurso a vários dispositivos, a regionalização, por exemplo);
reordenar prioridades económicas, substituindo o objectivo do crescimento contínuo por uma distribuição do rendimento mais equitativa;
aproveitamento racional dos recursos disponíveis, tanto a nível das capacidades humanas como das potencialidades naturais, impondo-se, em ambos, uma sistemática política de redução de desperdícios.

2. Garantir o controle público de áreas reconhecidamente estratégicas, acautelando que a sua utilização ou actividade venha a ser posta em causa por interesses privados:
Domínio absoluto dos sectores económicos vitais para o futuro de toda Humanidade, tais como a água, a energia, os recursos mineiros, a floresta...;
Controle das empresas de grande dimensão (em função do respectivo contributo para o PIB), dado o peso e repercussões da sua actividade sobre o tecido social.

3. Controlar os efeitos da globalização financeira, em nome de uma maior transparência, equidade e solidez nas relações sociais internacionais, nomeadamente:
eliminar os denominados ‘paraísos fiscais’ (off-shores): calcula-se que 80% dos lucros gerados a nível mundial escapam ao fisco, beneficiando os 20% mais ricos do planeta;
banir e interditar todas as formas de ‘dumping’ – comercial, social, fiscal,... – por se considerar que tais práticas distorcem a verdade das relações de comércio.

4. Potenciar os efeitos da globalização técnico-científica, no sentido de uma efectiva e planetária democratização dos benefícios da ‘revolução informacional’, apostando-se em:
difusão maciça dos sistemas informáticos, implicando a dotação em equipamentos, mas também a formação indispensável à sua melhor utilização e exploração;
acesso generalizado e imediato a tecnologias industriais limpas, em detrimento das mais obsoletas, estas normalmente associadas a graves problemas ambientais.

5. Construir novas relações internacionais – a nível comercial, económico, político, social,... – baseadas essencialmente em:
integração nos ordenamentos jurídicos nacionais dos princípios universais do direito, com particular respeito pelos do Homem e da Natureza;
adopção pela comunidade internacional dos princípios de igualdade e garantia da soberania interna dos Estados, não ingerência, respeito e cooperação mútua;
compromisso Norte-Sul, que permita reorientar as economias no sentido do respeito pelo ambiente, os recursos naturais e o apoio maciço ao desenvolvimento do Sul.

Tudo isto é exequível, é desejável e é urgente! Constituirá apenas, como é óbvio, um primeiro passo para se ultrapassar a grave crise social (que vai muito além da financeira, que se está a pretender reduzir a mero 'erro humano') e iniciar-se a (re)construção de uma sociedade diferente, que permita inverter a regra do mercado como medida de todas as coisas, de tudo ser feito em nome e para maior benefício do mercado. Na convicção, porém, de que a aceitação de novos parâmetros na organização social só se efectivará por etapas e sob forte e continuada pressão das opiniões públicas, nacionais e mundial, cada vez mais conscientes dos riscos e perigos da deriva mercantilista (em especial na sua actual versão neoliberal) e despertas para uma acção política, ainda de contornos pouco definidos na sua constituição formal – por enquanto expressa sobretudo em inúmeras manifestações de mal-estar e crescente desespero ou em generosas tentativas partidárias ainda sem um muito definido programa político que vão aparecendo um pouco por todo o mundo.

Aliás, a crise encarregou-se de demonstrar de forma mais persuasiva que qualquer campanha política nesse sentido, que é tempo de se começar a questionar o domínio absoluto do paradigma mercantil, afinal a origem e causa última do descalabro financeiro actual!

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Eleições nos Açores : faltam 18 dias... Carlos César e o PS/Açores serão de esquerda ?..

Então, será um governo de esquerda aquele que privatiza as empresas públicas ao invés de as defender ?
Então, será um governo de esquerda aquele que aceita a ineficiência dos serviços públicos e pactua promiscuamente com privados ?
Então, será um governo de esquerda aquele que pactuou e apoiou o Tratado de Lisboa que retirou aos Açores a gestão dos recursos biológicos do mar ?
Então, será um governo de esquerda aquele que não faz uma aposta clara nas pessoas preferindo, outrossim, a afirmação de estratégias falhadas de turismo, de betão ?
Então, será um governo de esquerda aquele que não patrocina uma clara estratégia de desenvolvimento ?
Então, será um governo de esquerda aquele que não consegue estancar a sangria populacional da região ?
Ora, a resposta a todas estas interrogações terão que ser os eleitores, todos e cada um dos Açorianos e Açorianas, a “esclarecerem” com o respectivo voto, no próximo dia 19 de Outubro.
O Bloco de Esquerda/Açores está aí, no terreno, contundente, como é seu timbre, a apresentar os seus objectivos, as suas propostas.
Propostas de causas que podem e devem fazer a diferença.
É preciso, é imperioso e urgente que, então e depois das eleições de 19 de Outubro, possa surgir a “marca” do Bloco de Esquerda no Parlamento Regional.
Experimentem, sem medos, sem complexos o voto no Bloco de Esquerda … e verão que nunca mais haverá sossego no Parlamento Regional.
Todo e cada voto, no Bloco de Esquerda, em todas e cada uma das Ilhas, são mais que necessários, pois podem fazer toda a diferença para que, finalmente, haja uma voz de desassossego no Parlamento Regional.

Exijam aumentos de 20, 30, 40%!!!

A solução para recuperar das perdas nos salários reais dos últimos anos, para recompor a Segurança Social, etc. foi encontrada!

Demagogia? Loucura? Não!

Em dia de greve da Função Pública, ouçamos mais uma erudita lição de economia do nosso brilhante professor César das Neves na sua habitual crónica no DN: A NORMALIDADE DO PÂNICO , a propósito da crise financeira internacional.

Eis algumas citações:

«A moeda é uma entidade única, de valor artificial»
«Simplesmente acreditamos que aquele papel vale o que diz»
«O dinheiro só vale enquanto dissermos que vale»
«Todos os bens ganham valor a partir da sua utilidade, mas a moeda, que não satisfaz directamente nenhum desejo humano, depende apenas da confiança que temos nela.»

Atentemos sobretudo nesta frase «O dinheiro só vale enquanto dissermos que vale» A sério?
É tudo uma questão de fé! E eu a pensar que a inflação é que era o problema. Afinal o BCE anda a enganar-nos! Esses infiéis!
Se é assim tão relativo, então, já agora, podiamos achar que valeria a pena termos aumentos decentes que
compensassem a perda de poder de compra dos últimos anos e nos permitissem fazer face aos aumentos da Euribor...