quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Luta política: pragmatismo vs. sectarismo

Não sei se é sintomático ou se indicia algo de novo na política de alianças do PCP, a abertura manifestada às restantes forças de esquerda na entrevista dada por Jerónimo de Sousa ao Expresso de sábado último. Nomeadamente as repetidas referências ao BE – organização que invariavelmente lhe suscitava um sorriso de desdém (que se adivinhava mesmo quando não era possível comprová-lo, como seria neste caso) – e sobretudo o tom e o contexto em que são expostas, fazem supor, por parte do entrevistado, a atribuição a este partido de um estatuto de ‘organização de esquerda confiável’ (pelo menos para efeito de alianças partidárias), coisa que não é de menos importância. Até aqui – muito a contragosto, diga-se – só o PS detinha esse estatuto e percebia-se porquê: afinal a maioria do ‘povo de esquerda’ continua a votar neste partido, o que de modo algum pode ser ignorado, sociológica e eleitoralmente.

E isso não obstante o aparente interlúdio que constituiu toda a polémica suscitada em torno de um texto publicado no Avante!, cujos propósitos, ao questionar a natureza revolucionária do Bloco e ao atribuir-lhe o epíteto de reformista (???), parecem enquadrar-se sobretudo no esforço interno de formação ideológica dos seus militantes, que a tanto aspira um artigo publicado num órgão partidário. Entende-se até o constante confronto estabelecido a partir de citações rebuscadas para produzir um determinado efeito – a menorização do BE – uma vez que o objectivo final é afirmar a supremacia ideológica do PCP no seio das esquerdas, no âmbito das teses vanguardistas de que ainda não abdicou nem consegue libertar-se.

É precisamente esta histórica pretensão (tornada obsoleta, mais que não fosse, pela própria complexidade da realidade social actual), que torna o PCP preso de um quase cabalístico hermetismo, incapaz de compreender a absoluta necessidade de um espaço de debate em que o confronto de ideias e de perspectivas diferentes se deve estabelecer num plano de igualdade. Apesar de nem sempre bem conseguido, tem sido essa, a meu ver, a vantagem do Bloco: a fórmula em que assenta a sua acção política, mais de ampla confluência de vontades e sensibilidades, do que da afirmação de princípios exclusivistas, corresponde melhor às condições sociais actuais e proporciona um ambiente mais propício à descoberta de novas soluções políticas (ainda que o torne propenso a um certo ecletismo ideológico, também o torna, contudo, mais imune ao sectarismo). Num tempo em que sobram as interrogações e escasseiam as respostas, é mesmo imperioso combater todos os fundamentalismos – sem prejuízo, é bom afirmá-lo, da firmeza na defesa dos princípios básicos sintetizados no triplo ideário herdado da Revolução Francesa, aqui sem falaciosas defesas do primado de um sobre os restantes, pois a viabilidade concreta de cada um deles depende da dos demais.

Costuma salientar-se, as mais das vezes de forma depreciativa, o facto de, ao contrário do que acontece no resto da Europa, em Portugal subsistir, muito para além do efeito das conjunturas, uma importante base social que se assume à esquerda da social-democracia (PS e PSD). Nas conjunturas de crise, como a presente, esta base social tende a crescer, à custa do Bloco Central social-democrata. E só não cresce mais, porque a atracção pelo voto útil na alternativa mais viável de poder (o PS), é potenciada pela fragilidade das restantes forças partidárias de esquerda, fragmentadas pelo espírito de grupo e incapazes de centrar a prática política no essencial – e o essencial passa, hoje, pela desmitificação do mercado (contra todos os fundamentalismos), pela afirmação de uma cidadania responsável (contra a subalternização da política), pela preservação do ambiente (contra a sua persistente e criminosa destruição) – pontos em que, afinal, é possível construir um largo consenso ideológico. Difícil, mesmo, apresenta-se a tarefa de o transformar em político - prevalecem sempre os interesses de grupo, sejam eles quais forem!

É por isso que, retomando agora o início destas considerações, importa ver nos próximos tempos (e nas lutas eleitorais que se avizinham), qual a posição que irá prevalecer no PCP, se o pragmatismo revelado pelo seu Secretário Geral, se o sectarismo evidenciado pelo articulista do Avante! – sobretudo como é que isso se irá traduzir na prática política!

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Oportuníssima esta “posta”;
Interrogo-me, no entanto, se a súbita “candura” de Jerónimo de Sousa, plasmada na entrevista ao Expresso, é ditada mais por questão táctica do que estratégica, uma vez que aquela, a táctica, não tem nada a ver com esta, a estratégia.
De todo o modo, e para a Esquerda, o caminho faz-se … caminhando !!!
Assim, a sua pertinente dúvida é exactamente a minha dúvida, i.e.:
”qual a posição que irá prevalecer no PCP, se o pragmatismo revelado pelo seu Secretário Geral, se o sectarismo evidenciado pelo articulista do Avante “