segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Crise? Qual crise?

V – O vazio da (não)resposta neoliberal

Aquando da recente apresentação do plano Paulson pelo próprio Presidente Bush, assistimos, entre a incredulidade e a indignação, ao seu lancinante apelo dirigido à compreensão dos americanos para o esforço que lhes era assim pedido. Dizia ele que, se o Estado decidisse não ajudar as grandes corporações causadoras da hecatombe financeira, quem mais iria sofrer seriam, pasme-se, as pequenas e médias empresas, os pensionistas, os detentores de casa própria... Quando se esperava o anúncio de qualquer medida de punição aos causadores das ‘acções irresponsáveis’ por trás da crise (a explicação oficial para a mesma – o mercado, esse, mantém-se acima de qualquer suspeita!) e a apresentação de garantias sólidas, como acontece em qualquer contrato financeiro, quanto ao retorno de tamanho ‘investimento’ ou, vá lá, ao menos uma proposta de alteração às regras que, como dizem, falharam,... apenas vagas declarações de princípios, logo seguidas da habitual profissão de fé no mercado e nas suas excelsas virtudes!

É claro que não passa pela cabeça de ninguém (?) que tudo isso não venha a ser negociado depois desta apresentação pública. Mas depois do que aconteceu, de gente lançada de repente na miséria, de tantas ilusões e sonhos desfeitos, choca sobremaneira a desfaçatez e a falta de escrúpulos com que os seus responsáveis, com a credibilidade totalmente abalada (para não dizer perdida), solicitam às mesmas vítimas um cheque em branco a troco de nada!
Ouve-se e quase não se acredita – não fora, é certo, os antecedentes do personagem! A completa impunidade com que ele e os que gravitam à sua volta parecem actuar, advém-lhes da mística convicção de serem os eleitos (Bush até fala com Deus!) detentores da verdade – e a ‘sua’ verdade cabe inteirinha na expressão autoregulação do mercado – associada ao total desprezo que nutrem pela inteligência dos eleitores, da certeza de poderem continuar a manipular instintos e fantasias ao sabor dos seus interesses e em benefício do poder que (ainda) controlam.

Mas tal como não cabia nos seus manuais ou cartilhas a simples ideia de tamanha derrocada (a ponto de, em prol da sobrevivência, terem agora recorrido a receitas de todo contrárias à ortodoxia dos seus princípios), também é errado e pode ser perigoso subestimar a capacidade de reacção das pessoas, quando estas acordarem para a realidade – o que acontecerá quando sentirem os seus interesses ameaçados! Ora, o enorme descalabro já atingido ameaça aumentar, fugir ao seu controle, de tal modo que um eventual colapso financeiro (em primeiro lugar nos EUA e, por arrastamento, em muitos outros países) não se encontra ainda arredado do horizonte – e perante a dura realidade aquela reacção pode mesmo tornar-se um grande problema!

Resta, pois, perguntar: depois de fracassada a experiência dos ‘neo’, como irá comportar-se o liberalismo do mercado? Qual a ‘neo’ alternativa proposta? O que se seguirá à injecção maciça de capitais públicos nas empresas e na economia? Sobretudo, que novas regras irão ser implementadas para garantir que o descontrole actual não possa voltar a acontecer?
Na hora de resolver a crise concreta e evitar os seus efeitos mais dramáticos, pode parecer pouco curial, prematuro porventura (mais tarde logo se vê isso...), trazer aqui a análise destes ‘pormenores’. Mas são eles, queira-se ou não, que irão determinar, a longo prazo e muito para além das conjunturas e circunstâncias, o futuro do sistema e de nós todos. É, pois, em torno deles que a discussão deve ser urgentemente realizada.

É que, mais que uma solução técnica, a actual crise exige uma resposta política, que procure ir ao fundo das causas que a originaram. Que, para além de mais ou menos regulação, com menos ou mais reguladores – basicamente é esta a resposta que está ser preparada – se (re)definam princípios básicos do relacionamento social, a começar, desde logo, pelas prioridades políticas, passando pela graduação público-privado, indo até às relações Norte-Sul,...

Sob pena de nada se ter aprendido com ela – o que constituiria seguramente uma oportunidade perdida e um desperdício ainda maior que o provocado pela própria crise! (...)

1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Mais uma excelente "posta", este V Capítulo do "Crise? Qual Crise?"
Aguarda-se, agora e com ansiedade, o próximo capítulo ...