terça-feira, 16 de setembro de 2008

A Bolívia diz não a um novo ‘Chile’; a América Latina faz frente aos EUA

O dia de ontem, segunda-feira, 15 de Setembro, foi particularmente profícuo no que parece poder vir a ser o início de uma nova era na América do Sul. Quando tudo fazia prever – pelo menos assim nos era ‘transmitido’ pelos nossos pressurosos meios de comunicação, mais atentos aos humores do público (as audiências, pois então!), do que à sua missão de informar com um mínimo de isenção – quando, repito, tudo se encaminhava para um muito desigual braço de ferro entre o minúsculo anão Bolívia e o colossal mastodonte EUA (aquele contando apenas com o declarado e, para muitos quixotesco, apoio da Venezuela), eis que de repente se ergue um Continente inteiro a afirmar uma posição que pode vir a ser histórica.

Após intensa acção diplomática desenvolvida ao longo do dia, três organizações regionais, cobrindo a totalidade da América Latina, México incluído, decidem declarar apoio unânime à Bolívia democrática, no que só pode ser considerado um claro e sintomático desafio ao todo poderoso vizinho do Norte. De uma penada, num só dia, Comunidade Andina, Grupo do Rio (que reúne 22 países da América Latina e Caraíbas) e Unasur (União das Nações Sul-Americanas), estilhaçaram os esforços do ‘Império’ em manterem sob seu controle, económico e político, esta região imensa (em dimensão e dificuldades), ao não terem dúvidas em manifestar apoio incondicional a um dos seus, por sinal o mais débil de entre eles (o mais baixo PIB per capita, em dólares PPC, da região). Ao afirmarem, sem equívocos, o princípio da integridade territorial (que os insurrectos ameaçavam pôr em causa), salientando a legitimidade acrescida do Presidente Morales após o referendo de 10 de Agosto último, emitiram um sério aviso e estabeleceram barreiras a todos os aventureirismos, internos e externos.

Parecem assim criadas agora melhores condições para a pacificação interna de uma Nação que apenas pretende o direito à sua própria autonomia, sem interferências abusivas, de dentro ou de fora, nas decisões tomadas pelos órgãos legitimamente eleitos em prol de uma política de desenvolvimento inclusiva (no propósito expresso de abranger populações extremamente carenciadas) e uma mais equitativa distribuição das riquezas do Pais – afinal a grande fonte de discórdia que esteve na origem desta crise.

No rescaldo da mesma (faço votos para que já o seja), emerge então essa alteração qualitativa na correlação de forças presente no Continente, em benefício de uma maior autonomia regional. Ignoro se é a primeira vez que se consegue unanimidade numa posição regional contra as posições expressas dos EUA, mas é-o seguramente na amplitude das organizações intervenientes – e isso só pode ter uma leitura que deve ser particularmente saudada: a América Latina está diferente, o Mundo está a mudar – e só pode ser para melhor!

Quanto ao resto, apetece-me apenas sublinhar a mal disfarçada ‘frustração’ de alguns meios de comunicação social por este anunciado desfecho pacífico da crise, retirando aos manipuladores do costume os ingredientes com que alimentam os instintos mais primitivos da opinião pública – na busca das ditas audiências de que eles próprios se alimentam. Notória a posição da SIC (diferentes, neste caso, RTP e TVI), em que no seu canal generalista apenas insere, de raspão, breve notícia sobre estas movimentações regionais e consequentes apoios à Bolívia – deixando seguramente o seu desenvolvimento para a SIC/N, acompanhados, decerto, de mui judiciosas e ‘pedagógicas’ análises (é necessário garantir a orientação ‘certa’ dos telespectadores) de comentadores da jaez dos Monjardinos, Marcelos e quejandos (como bem ilustra José M. Sousa, em comentário à minha anterior ‘posta’ sobre este assunto).

Que, acrescento eu, parasitam a informação com notório proveito pessoal e indigente benefício geral!

4 comentários:

José M. Sousa disse...

Até a Colômbia subscreveu a declaração!

José M. Sousa disse...

Excelente notícia: Exército boliviano detém governador da província de Pando

Anónimo disse...

Há pouco, no noticiário da TVI, a relatora afirmava, a propósito destes apoios, tratar-se apenas de ‘mera retórica’, presumo que pelo facto de as declarações emitidas pelas três organizações, não terem sido acompanhadas por quaisquer acções concretas. Não sei, nesta fase do processo, a que acções concretas era possível recorrer, pois até agora o poder legítimo ainda não perdeu o controle de nenhuma parte do território (com a prisão até de um dos mais destacados cabecilhas deste conflito, o governador da província de Pando), mantendo-se em aberto a via negocial. Sei é que, em comentário à imprensa após a reunião da Unasur, o presidente do Equador, Rafael Correa, afirmava, peremptório, que ‘aqui não vamos permitir separatismos’.
Mas, como sempre, há que aguardar pelo desenrolar dos acontecimentos. Uma coisa, porém, é já certa: longe vão os tempos de apoio incondicional aos EUA (como na crise dos mísseis em Cuba, em que Kennedy exigiu declaração unânime de apoio à sua posição por parte da OEA, o que lhe foi concedido) – precisamente o contrário do que aconteceu agora!

José M. Sousa disse...

Eu suponho que uma forma concreta de apoio poderá ter sido impedir ou dificultar actividades transfronteiriças de mercenários e para-militares, nomeadamente com o Brasil, visto que Pando fica na Amazónia, junto à fronteira brasileira. Se o Brasil quisesse sabotar o Evo Morales, as coisas seriam bem piores.