sábado, 7 de junho de 2008

V – Urgente ultrapassar o ‘equívoco liberal’

A mera realização do encontro “Agora Aqui”, confluência de esforços de proveniências várias, introduz, neste sinuoso percurso de desacertos em que as esquerdas parecem desgastar-se, uma indispensável chamada de atenção para a necessidade e urgência na construção de entendimentos tendo em vista o papel histórico que deve competir ao pensamento e à acção socialista na reabilitação da sociedade dos efeitos de profundo desgaste, nomeadamente a nível económico, social, ambiental e político, a que foi submetida ao longo de mais de 30 anos de submissão aos cânones neoliberais do primado do mercado. Seguramente a ultrapassagem desta grave crise global para onde o liberalismo arrastou o mundo não será possível sem o contributo dos PS (ou equivalentes). Mas isso implica a prévia resolução do ‘equívoco liberal’ de que sofre a maioria das correntes socialistas e dos partidos que nelas se inspiram.

É que o movimento socialista, deve sublinhar-se, surge profundamente dividido na forma de abordar e tratar o mercado:
· A maioria, por pragmatismo, resignado comodismo ou até oportunismo político, aposta ainda no primado do mercado como garante das liberdades, muito à semelhança dos neo-liberais (a que não desdenham ser associados), falando-se mesmo num ‘socialismo liberal’ ('socialismo capitalista', chama-lhe M.Alegre), que soa quase como um contra-senso nos termos, indubitavelmente à revelia do seu património histórico e ideológico;
· Minorias dispersas, por convicção ou, na opinião dos detractores, simples ingenuidade, teimam em assegurar que o mercado não passa de um instrumento de regulação social, destinado às trocas comerciais, a que não podem ser atribuídas funções de decisão social e política, contrapondo-lhe, como o fez Manuel Alegre no referido encontro, um socialismo dos valores (os da ética republicana, antes de mais).

Não se ignora a dificuldade na tradução prática do que deve ser entendido por ‘socialismo dos valores’ ou por expressões de idêntico sentido, até pelo peso que a tradição de sectarismo tem entre a esquerda, onde as perspectivas pessoais ou de grupo frequentemente se sobrepõem ao rigor da análise ou a objectivos estratégicos. O que reforça a importância e o significado deste tipo de iniciativas, tanto no sentido da quebra de barreiras históricas e consequente aproximação de vontades, como na procura de soluções e vias alternativas ao caos em que o modelo neoliberal reduziu as nossas sociedades, transformando-as num imenso mercado, com o rol de consequências dramáticas, já por diversas vezes atrás referido.
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