segunda-feira, 16 de junho de 2008

A propósito da exigência de um novo paradigma na organização das sociedades

O tema nunca perde actualidade e até parece gerar consenso. Todos defendem mais desenvolvimento, que a maioria – e o poder em geral – reduz a crescimento. Contudo, apostar em mais crescimento económico, hoje, implica um esforço tão desmedido sobre a natureza e o ambiente que o resultado, a breve prazo, será acentuarem-se ainda mais as já muito degradadas condições de existência na Terra.

Esta realidade impõe-se já com tal evidência que até sectores da corrente neoliberal (como o virtual candidato a líder do PSD, Neto da Silva), sem abdicarem da fé nas virtudes do mercado, percebem que, a manter-se a actual tendência predadora na utilização de recursos finitos, a vida na Terra vai tornar-se insustentável, a Humanidade pode caminhar para a sua extinção. A ideologia do crescimento contínuo, base inquestionável da actual Globalização Competitiva, conduzirá, afirmam, “ao esgotamento do Planeta”, pelo que deve “ser substituída por uma ideologia do crescimento possível, assente na maior eficiência ambiental, social e económica, por esta ordem de prioridades”.
Mas também esta alternativa – designada por ‘Desenvolvimento Sustentável’ – parece ter, há muito, perdido a sua oportunidade. O insuspeito J. Lovelock considera que ela incorre no mesmo erro do “laissez-faire”: a crença de que mais desenvolvimento é possível pelo menos ainda durante a 1ª metade deste século (não há limites para a inconsciência e o egoísmo!!!). Talvez o fosse, acrescenta, “há 200 anos, quando a alteração era lenta (...), mas agora é tarde de mais”.


Aconselharia, pois, o bom senso (se o bom senso aqui fosse a norma) que, em lugar de ‘desenvolvimento sustentado’ (que não abdica de mais crescimento económico), se falasse antes em ‘estabilização sustentada’, o que é, reconhece-se, uma impossibilidade prática, face às características de funcionamento do nosso insustentável ‘modo de vida ocidental’. Certo é que este insaciável desenvolvimento produtivista/consumista, assente no modelo hipercompetitivo e predador do mercado, já não tem mais condições para se regenerar. O crescimento ilimitado do mercado, imposto pela lógica do valor, choca-se com um mundo de recursos limitados: o mercado tende inevitavelmente para a sua própria autodestruição.

Resta saber o que (e quem) vai arrastar consigo nessa vertigem descontrolada. É por isso que se torna indispensável a construção de um novo paradigma de organização social (a partir da rejeição do actual paradigma mercantil), porventura baseado na sociedade do conhecimento e contando não só com a actual revolução informacional (que se tem demonstrado devastadora dos hábitos e costumes tradicionais), como sobretudo com uma revolução comportamental, de efeitos mais lentos mas mais decisivos que os da anterior.
Mas isso seria já o começo de uma outra história...

3 comentários:

Carlos Borges Sousa disse...

Meu Caro,
Excelente "postagem"...
Diz-se, e com razão, que :
"bem pior que um cego só, mesmo, aquele que vendo não quer, ainda assim e mesmo, ver".
Mui sinceramente, acho que, ainda agora e com esta crise dos combustíveis que, inevitavelmente continua(rá), não soubemos, não quisemos e não tivemos o engenho e a arte para por em causa, de forma clara e muito perceptivel que o "rei vai nu" ...
Pois, bom senso - tal como, e muito bem, reclama - é ao que, e infelizmente, não se tem assistido.
E, de tão baralhado, já nem sei se é e/ou não positivo que os fieis e confessos adeptos do mercado, os neoliberais de pacotilha, apareçam a dar loas de "preocupação" pela via que, afinal, e de forma voluntária e delibera, nos tem conduzido.
De uma coisa, pelo menos, deve(rá) ser certa : são "insuspeitos"...

José M. Sousa disse...

Quanto à globalização, parece que o petróleo está a pôr muita areia na engrenagem

Anónimo disse...

Caro José M. Sousa,
Não há dúvida que o disparo do preço do petróleo e a consequente crise energética veio agitar as águas mornas ‘desta’ política e sobretudo a pacata modorra em que a rapaziada alegremente se comprazia. Pelos vistos, e mais cedo do que eu pensava, o “modo de vida ocidental” começa a ser posto em causa de forma peremptória e generalizada (globalizada?). O petróleo parece estar, pois, a desencadear convulsões de imprevisíveis consequências (pelo menos na sua dimensão e calendarização), que podem passar por eventuais guerras e alterações sociais e políticas, inimagináveis até há poucos meses! A visão mirífica de uma expansão económica contínua, liberal e globalizada, parece caminhar agora para um pesadelo de contornos ainda muito indefinidos. Os próximos tempos vão ser muito elucidativos do rumo que tudo isto vai tomar.
Naturalmente tenho acompanhado o importante labor – analítico, informativo, didáctico e até prospectivo (no sentido de antecipar efeitos e esboçar tendências) – que o meu amigo tem vindo a desenvolver, com grande mérito, no «Futuro Comprometido» que já me habituei a visitar regularmente. As referências e ligações que aí nos proporciona demonstram-se, regra geral, de muita utilidade para uma compreensão mais ampla do que (nos) está a acontecer.
Assim, o seu esforço para descobrir diversificados e valiosos contributos que ajudem a esclarecer melhor o enquadramento geral que se vai desenhando, redobra de importância. Aliás, devia apelar, antes, ao esforço de quantos evidenciam alguma consciência sobre esta situação, embora no que me toca, eu tenha o ‘handicap’ de ‘arranhar’ mal o inglês (sou um produto ainda do predomínio da aculturação francesa). Contudo, cá estou também para ir acompanhando, reflectindo, confrontando, colaborando no que me for possível.