quinta-feira, 8 de maio de 2008

O Estado e as corporações

Não restam dúvidas de que se assiste, hoje, ao recrudescer de um corporativismo póstumo: depois do corporativismo sem corporações de Salazar (até a Câmara Corporativa não passava de um adorno onomástico do regime), as modernas corporações (com Ordem ou sem ela) sentem-se com força para imporem os seus interesses à revelia de qualquer instituído corporativismo!
Trata-se, naturalmente, de um sinal inquietante de alguma desagregação social e que fica a dever-se, por um lado à demonstração de fraqueza do Estado, por outro ao arreganho da força de determinados grupos organizados, vulgo corporações. Mesmo que essa fraqueza se revele ‘apenas’ na ausência de uma orientação normativa da acção dos agentes sociais, o certo é que traduz uma clara demissão das funções que competem ao Estado (por inércia, inépcia ou conivência). Que é aproveitado, como é óbvio, pelos grupos mais poderosos e/ou organizados, que assim ganham uma maior margem de manobra na defesa e promoção dos seus interesses particulares.
Ao contrário, pois, do que se pretende insinuar, o nosso Estado, sendo centralizador e omnipresente, é, contudo, fraco: na regulação dos interesses, cede perante os mais fortes, compensa-se junto dos mais fracos – esta, aliás, a suprema prova da sua debilidade crónica.

Estes preliminares servem para enquadrar um tema muito presente em notícias e factos com que nos confrontamos diariamente. Só para referir os últimos:
– O episódio da designação do novo Director da Polícia Judiciária (já abordado noutro local deste ‘blog’), objecto de reacções epidérmicas de juízes e magistrados, por considerarem invadido suposto território próprio por competências alheias;
– As múltiplas notícias que têm vindo a público sobre as listas de espera para operações às cataratas: da solução... de Cuba (essa mesma, a ilha maldita do não menos ‘execrável’ Fidel, origem do indignado coro das vestais do costume!), à solução do Hospital do Barreiro, através da contratação de um especialista espanhol!
Relata este médico ao DN, indiferente às "críticas" de que diz ter sido alvo dos colegas portugueses: "Eu percebo a preocupação deles e sei porque há listas de espera tão grandes em Portugal. É que por cada operação no privado cobram cerca de 2000 euros". O oftalmologista espanhol, inscrito na Ordem dos Médicos portuguesa, cobrou 900 euros por cada operação realizada no Barreiro!
Mais palavras para quê?

2 comentários:

Carlos Borges Sousa disse...

Tem inteiríssima razão.
Embora, e com muita propaganda, o governo( no início ) simulasse um ataque às corporações (com e/ou sem Ordem), o facto é que, ainda e agora, os instintos corporativos continuam muito,muito "sinistros" como e por exemplo : os Juizes, os Magistrados, as Farmácias, os Médicos, etc, etc ...

VRMendes disse...

Concordo em pleno com este documento.Mas, a respeito do médico espanhol e dos espanhóis, costumo frequentemente dizer que quando quero um pão com fiambre vou a Espanha, porque é mais barato e tem mais recheio.
Além do tal corporativismo póstumo em crescendo eu aproveito e volto a dar enfoque à tal ganância que também é outro dos apanágios muito tipicos e muito nossos.
Resta-me o consolo de em mim haver algum sangue castelhano por parte do meu Avô materno.
Não sei se será bom ou mau!