quinta-feira, 15 de maio de 2008

Mais uma vez a fome e a crise alimentar

Não resisto a comentar aqui o artigo, excelente de resto, que, a propósito da crise alimentar, Fernando Nobre (FN) publicou na 'Notícias Magazine' de domingo passado, sob o título ‘Tsunami silencioso’, até porque ele permite evidenciar de forma clara as limitações e as armadilhas em que se coloca o discurso de uma certa esquerda, pese embora tratar-se, reconheça-se, da mais comprometida e empenhada. Se se fala de ‘tsunami’, convém mesmo ir ao epicentro do fenómeno e, de forma realista e desapaixonada, tentar identificar a origem das suas manifestações mais cruéis.

Como pano de fundo ou causas endémicas para a persistência da fome no mundo, FN aponta a ‘incompetência, a indiferença e a ganância instaladas na governação global’, o que, sendo verdade, é muito limitado como explicação para esta situação e sobretudo perigoso, pois desvia as atenções da verdadeira origem política do problema, reduzindo as responsabilidades ao plano ético. É certo que FN, a seguir, aponta como causas próximas para a actual fome global ‘a desenfreada especulação sobre os alimentos’, em resultado da furiosa desregulamentação a que aqueles se entregaram. Ainda assim, continua-se centrado apenas nas razões imediatas e mais visíveis. Afinal, o que importa saber e perceber mesmo é a causa ou origem da desregulamentação e da especulação dos alimentos ou de quaisquer outros produtos e serviços.

Ora, na enumeração das ‘medidas estruturantes globais para acabar com a verdadeira escravidão biológica que é a fome’, FN aponta: (1) impedir a especulação financeira sobre os alimentos, (2) proibir a produção de biodiesel com alimentos, (3) adoptar medidas que evitem o agravamento das alterações climáticas, (4) aumentar as áreas de cultivo. E de novo, sendo tudo isto tão sensato, qual a razão porque duvidamos da sua exequibilidade? Porque não estamos seguros de vir a alcançar resultados essenciais neste domínio – controlar a especulação, evitar a produção do biodiesel agro-alimentar,... – por forma a alterar-se radicalmente a vergonhosa situação actual da fome no mundo?

E a resposta, mesmo no campo da ética, só pode ser a de que, tal só será possível num quadro político global diferente, que isso implica capacidade para intervir nos mecanismos que produzem a desregulamentação, a especulação, em suma, a fome.
Mas isso seria já o início de uma outra conversa. Ou de muitas outras conversas.

3 comentários:

José M. Sousa disse...

Sugiro a leitura do último nº do Le Monde Diplomatique, edição portuguesa, sobre este assunto e "Ladrões de Bicicletas"

Carlos Borges Sousa disse...

Meu Caro,
Tenho, como sabe, uma grande admiração e respeito pelo Dr. Fernando Nobre e, assim e por isso, nãp poderia estar mais de acordo com a oportunidade desta "postagem".

Anónimo disse...

Muito agradecido, josé m. sousa
Excelente dica, excelente artigo (Ladrões de Bicicletas). Pela informação complementar, mas sobretudo pela sua conclusão.
Quanto ao 'Le Monde', vou procurar.