segunda-feira, 28 de abril de 2008

Catilinária (1)

Quousque tandem Catilina, abutere patientia nostra?
A presente crise do PSD está a permitir um fervilhar de opiniões, acções e contradições como há muito não se via. É de lamber os dedos e chorar por mais:
▪ Ele é, à cabeça, o (ainda) líder que, em seu abono faz questão de afirmar que, sendo médico, ‘nunca matou pelas costas’ – o que é manifestamente pouco para o público esclarecimento que era devido sobre a parte do corpo do seu antecessor (o agora bem empregue Marques Mendes) em que desferiu o golpe fatal;
▪ Ele é o Jardim, esse mesmo, o único, o inimputável, o da Madeira, pairando, hirto e lerdo, sobre o pagode de comparsas em fervilhante e desvairada ebulição, sempre com a cabeça de fora a ver se espreita a ocasião, procurando, nos seus pícaros trejeitos, influenciar o bailinho dos acontecimentos;
▪ Ele é a plêiade dos notáveis, vulgo barões (desta droga de partido), acusando-se mutuamente de traição e das mais ignominiosas rasteiras;
▪ Ele são os inúmeros perfilados candidatos, já em pose presidencial, ansiosos, preparadíssimos, prontérrimos para abocanharem o apetecido lugar (mais vale ser presidente por uma hora, que barão por toda a vida...);
▪ Ele são, ainda, os aparentemente mais distanciados intelectuais (Pacheco Pereira acima de todos, que o ‘analista-Rogeiro-com-lugar-cativo-na-ribalta’ considera ter apenas capacidade, vá lá, para disputar a junta da Marmeleira) e que, de um modo geral, sempre manifestaram reservas ou até oposição à solução que agora implodiu;
▪ Ele são, até, os ‘blasfemos’, gente fixe, ‘porreiraça pá’, a fina flor dos liberais convictos, indefectíveis do mercado (o do ‘laissez-faire’ genuíno), atarantados, é certo, perante tamanho desconchavo partidário, vendo destroçada, num ápice, a ‘cavalgada heróica’ do Meneses rumo ao liberalismo, esse supremo nirvana de uns quantos;
▪ Ele são, enfim, os opinativos comentadores – os encartados de sempre e os de última hora, que o momentoso assunto a todos alimenta – gulosos de tão apetecido pitéu, babados por produzirem análises de fina argúcia e predições de certeiras ocorrências.
Para além da vozearia e no centro da tormenta, como sempre, a disputa do centro político, o denominado ‘centrão’, cujo controle permite sustentar a pandilha clientelar dos partidos que se diz constituírem o ‘arco do poder’. Curiosa designação, talvez volte a ela noutra altura. Por ora registo apenas a causa apontada para este mais que previsível desfecho imprevisto: o PS teria ocupado todo o ‘centro’, ou dito de modo mais alarve mas bem mais expressivo, abocanhou o ‘centrão’ só para ele, fazendo entrar em crise permanente os restantes partidos... do ‘arco do poder’. O que afasta do poder, ‘tout court’ e desde logo, os partidos à sua esquerda, gente perigosa, pouco credível e nada civilizada.
Daí que, tanto o esganiçado Portas, quanto sobretudo o saltitante Meneses (no duplo sentido: em termos de ideias e de lugares, o certo é que homem não pára quieto), se tenham visto à brocha para acalmar as respectivas hostes, sequiosas das tradicionais prebendas e sinecuras. Com o Portas em risco de passar do táxi para a lambreta, ao Meneses, avisado, não restava senão o shakespeariano gesto de gritar traição e bater com a porta.
Até quando este periódico espectáculo de zangas de comadres continuará a exibir-se despudoradamente, provocando a nossa passividade, mas sobretudo apoucando esta frágil e pouco mais que formal democracia (ainda assim indispensável)? Até onde os (nos) poderá conduzir o sentimento de impunidade que assumem tão descaradamente?
Afinal, quando é que daremos a devida sequência lógica à milenar mas actualíssima catilinária de Cícero, substituindo-a (mui respeitosamente, pois claro) por estás aqui estás a levar um pontapé no traseiro?


1 comentário:

Carlos Borges Sousa disse...

Meu caro,
Um único comentário: excelente "posta" ...